Saibas as consequências dos distúrbios eletrônicos e ácido-base nas crianças 

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O equilíbrio de fluidos, eletrólitos e o balanço ácido-base é vital para o funcionamento do organismo, especialmente em crianças. Variações nesses equilíbrios podem levar a distúrbios que, se não tratados corretamente, podem ser graves. O corpo humano mantém esse balanço por meio de mecanismos complexos que envolvem os pulmões, os rins e sistemas-tampão.

Por que é tão importante manter o equilíbrio? 

O organismo infantil deve ter um equilíbrio fisiológico devidamente controlado para que o crescimento seja uniforme e eficaz. Já discutimos um pouco sobre os detalhes do desenvolvimento infantil, mas precisamos analisar as variáveis que podem  alterar esse correto crescimento, como os distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-base. Os principais são: sódio, potássio, acidose metabólica e acidose/alcalose respiratória.

Distúrbios do Sódio

O sódio (Na^+) é o principal íon positivo fora das células, exercendo grande influência na osmolaridade plasmática. A regulação do sódio ocorre por meio de mecanismos como a sede, o hormônio antidiurético (ADH) e o sistema renina-angiotensina-aldosterona.

Fisiologia do Sistema Renina-angiotensina-aldosterona. | Acervo de Aulas do Grupo MedCof.

Hiponatremia (Na^+ < 135 mEq/L)

A hiponatremia é caracterizada pela baixa concentração de sódio no sangue. É considerada grave se o nível for inferior a 120 mEq/L. Pode ser classificada como hipotônica (perda de sódio e retenção de água), euvolêmica (manutenção do volume, mas diluição do sódio) ou hipervolêmica (redução da volemia efetiva com retenção de sódio e água).

Na hiponatremia hipotônica, pode haver perda de água, mas a perda de sódio é proporcionalmente maior, levando a uma “diluição“. A hiponatremia hipervolêmica ocorre por falha no sensor de volume, levando à liberação de ADH e aldosterona, que reabsorvem sódio e água, resultando em hipervolemia, mas com volume ineficaz para o rim, como ocorre em casos de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e síndrome nefrótica.

A gravidade dos sintomas depende do nível de sódio e da velocidade de instalação do distúrbio. Eles podem variar de irritabilidade e cefaleia a convulsões, estupor e coma em situações mais graves.

Em casos de sintomas neurológicos graves, o tratamento é com solução salina hipertônica (NaCl 3%) em bolus de 3-5 ml/kg. Em outros casos, a reposição pode ser por via enteral com restrição de líquidos. A correção máxima deve ser de 10-12 mEq/L por dia para evitar a desmielinização osmótica.

Hipernatremia (Na^+ > 145 mEq/L)

É o aumento da concentração de sódio no sangue. Considerada grave se for maior que 170 mEq/L.Ocorre por ingestão hídrica insuficiente, perda excessiva de água (como em diabetes insipidus) ou ganho de sódio (iatrogênico). A hipernatremia aguda ou a rápida correção de hiponatremia causam um aumento na osmolaridade plasmática, desidratando as células do sistema nervoso central (SNC), o que pode levar à mielinólise pontina.

Nas células do SNC existe um mecanismo de defesa para variações da osmolaridade. Quando ocorre aumento da osmolaridade plasmática, para manter o equilíbrio sem causar desidratação celular severa, as células produzem esses osmosis intracelulares, desde que seja um aumento gradativo. Se houver correção da hipernatremia muito rápido, a célula irá eliminar todos esses osmosis para o meio extracelular, que são peptídeos neurotransmissores estimulantes, podendo causar convulsões. | Acervo de Aulas do Grupo MedCof.

Os sinais e sintomas variam com a gravidade e incluem febre, taquipneia, letargia e, em casos graves, convulsões, coma e ataxia.

Diferentes sinais e manifestações das hiponatremia e da hipernatremia no sistema nervoso central. Fonte: RH. Sterns, Disorders of Plasma Sodium — Causes, Consequences, and Correction. NEJM, 2015. 

 A abordagem consiste em tratar a causa subjacente. A reposição de volume deve ser cautelosa pelo risco de edema cerebral. A correção deve ser monitorada e não deve ultrapassar 10-12 mEq/L por dia.

Distúrbios do Potássio

O potássio (K^+) é o principal cátion dentro das células, mantido pela bomba de sódio e potássio é fundamental para a função muscular e potencial de membrana. Sua concentração é regulada pela insulina, por beta-agonistas e pela aldosterona.

Funcionamento da bomba de sódio e potássio. | Acervo de Aulas do Grupo MedCof.

Hipocalemia (K^+ < 3.0 mEq/L)

A hipocalemia é caracterizada por baixos níveis de potássio, sendo grave se abaixo de 2.5 mEq/L.

 As causas podem incluir baixa ingestão, perdas gastrointestinais (diarreia) ou renais (tubulopatias, diuréticos de alça) e uso de medicamentos como a anfotericina B. As manifestações incluem fraqueza, paralisia muscular e alterações no ECG, como o surgimento da onda U.

 O tratamento, em casos graves, é a reposição por via endovenosa, com velocidade de 0,5-1,0 mEq/kg/h. Em casos leves, a reposição é enteral.

Hipercalemia (K^+ > 5.5 mEq/L)

A hipercalemia é um aumento na concentração de potássio, considerada grave se aguda ou se os níveis forem superiores a 7 mEq/L.

As causas incluem deficiência na excreção renal, lise celular (como em grandes queimados ou rabdomiólise) e acidose metabólica.

 As manifestações podem ser cãibras, parestesias, paralisia e, no ECG, ondas T apiculadas e simétricas, alargamento progressivo do complexo QRS e desaparecimento da onda P, ou simplesmente assintomática.

Em casos com ECG alterado, a primeira medida é administrar gluconato de cálcio para estabilizar a membrana cardíaca e prevenir arritmias malignas. Outras medidas de espoliação incluem a suspensão de potássio, o uso de resinas de troca intestinal, diurético de alça e, em casos refratários, diálise. Medidas para “shunt” intracelular, como bicarbonato de sódio, solução polarizante (insulina + glicose) e beta-2 agonistas, podem ser usadas para mover o potássio para dentro das células.

Distúrbios do Cálcio

​O cálcio (Ca^{2+}) é essencial para diversas funções, como mineralização óssea, contração muscular e cardíaca, e neurotransmissão. Ele é regulado principalmente pela vitamina D (calcitriol), pelo PTH e pela calcitonina. O cálcio iônico é a porção biologicamente ativa e sofre influência direta do pH. 

Fisiologia do íon cálcio. | Acervo de Aulas do Grupo MedCof.

​Hipocalcemia (CaT < 8.0 mg/dL ou CaI < 1.0 mmol/L)

A hipocalcemia é caracterizada por baixos níveis de cálcio. Ela pode ser causada por hipoparatireoidismo, deficiência de vitamina D, insuficiência renal crônica ou interferência de outros componentes plasmáticos, como o aumento de fósforo na síndrome de lise tumoral.  

As manifestações variam de acordo com a gravidade. Podem incluir fraqueza muscular, tetania e os sinais de Chvostek e Trousseau. No ECG, a hipocalcemia se manifesta com o prolongamento do intervalo QT.   ​

Para o tratamento, é indicado a reposição de cálcio por via endovenosa em casos sintomáticos, com a reposição de manutenção e vitamina D/calcitriol em casos crônicos. É importante corrigir a hipomagnesemia e a hipocalemia, se presentes. 

​Hipercalcemia (CaT > 11 mg/dL) 

A hipercalcemia é o aumento da concentração de cálcio. As causas incluem hiperparatireoidismo, hipervitaminose D, síndromes paraneoplásicas e uso de medicamentos como diuréticos tiazídicos. A hipercalcemia pode causar fadiga, letargia e fraqueza. No ECG, o achado característico é o encurtamento do intervalo QT.   ​O tratamento inicial é a hidratação e o uso de diuréticos de alça. Em casos mais graves, bifosfonatos e corticoides podem ser utilizados para reduzir a mobilização de cálcio dos ossos. 

Distúrbios do Magnésio

​O magnésio (Mg^{2+}) é um íon predominantemente intracelular que participa de diversas reações enzimáticas e é fundamental para a contração muscular e miocárdica.

Hipomagnesemia (Mg < 1.8 mg/dL) 

É caracterizada pela baixa concentração de magnésio. A hipomagnesemia pode ser causada por perdas renais ou gastrointestinais, acidose e hipercalcemia. Os sintomas incluem fraqueza, espasmos, hiperreflexia e convulsões. No ECG, a hipomagnesemia pode levar ao prolongamento do intervalo QT e ao risco de Torsades de Pointes (taquicardia ventricular polimórfica). 

Prolongamento do intervalo QT. Fonte: https://litfl.com/polymorphic-vt-and-torsades-de-pointes-tdp/  – acesso 25/11/2023   

A reposição de magnésio por via endovenosa é indicada em casos sintomáticos.  

​Hipermagnesemia (Mg > 3.0 mg/dL) 

A hipermagnesemia é o aumento da concentração de magnésio.   A causa geralmente é iatrogênica ou ocorre em neonatos de mães que usaram sulfato de magnésio para DHEG (doença hipertensiva específica da gravidez).  Em níveis acima de 5,0 mg/dL, pode causar hipotensão, bloqueio atrioventricular total (BAVT) e perda de reflexos tendinosos.   ​

O tratamento envolve hidratação, uso de diuréticos e, em casos graves, gluconato de cálcio para estabilizar a membrana cardíaca.   ​

Síndrome de Lise Tumoral

​A síndrome de lise tumoral (SLT) é uma emergência oncológica que ocorre quando células tumorais se rompem, liberando seu conteúdo no sangue. A lise celular maciça libera potássio, fosfato e ácidos nucleicos. Isso leva a uma tríade de distúrbios eletrolíticos: hipercalemia, hiperfosfatemia e hipocalcemia (o cálcio se precipita com o excesso de fosfato). O aumento de ácidos nucleicos causa hiperuricemia. As consequências incluem insuficiência renal aguda, arritmias, convulsões e, em casos graves, morte súbita.   

A prevenção é a melhor abordagem e inclui hiper-hidratação para aumentar o débito urinário e reduzir a precipitação de cristais. O alopurinol é usado para reduzir a produção de ácido úrico. Em fase terapêutica, a Rasburicase pode ser usada para degradar o ácido úrico. A reposição de cálcio só é indicada se houver hipocalcemia sintomática, pois pode aumentar a formação de cristais de cálcio e fosfato. Diálise é a última instância em casos refratários.  

Distúrbios Ácido-Básicos

Fisiologia da metabolismo ácido-base. | Acervo de Aulas do Grupo MedCof. 

O equilíbrio ácido-base é mantido principalmente pelos pulmões (eliminando ou retendo CO2) e pelos rins (eliminando ou retendo H^+ e bicarbonato (HCO3-). Os distúrbios são classificados como metabólicos (relacionados ao bicarbonato) ou respiratórios (relacionados ao CO2).

Acidose Metabólica

Diagnosticada com pH < 7,35 e bicarbonato < 22.

Ocorre por aumento na produção de ácidos endógenos (como lactato ou cetoácidos), perda de bases (diarreia) ou diminuição da excreção renal de ácidos (insuficiência renal). A gravidade é definida por um pH < 7,20, o que pode causar vasodilatação arterial, taquicardia e hipercalemia.

O foco é tratar a causa base. A correção com bicarbonato é pouco usada e só é considerada em casos graves (pH < 7,1 e bicarbonato < 10).

Alcalose Metabólica

Caracterizada por pH > 7,45 e bicarbonato > 26.

As principais causas incluem perdas de ácido clorídrico pelo trato gastrointestinal (como em vômitos), uso de diuréticos e hiperaldosteronismo.

O tratamento visa corrigir a causa, como a administração de antieméticos ou a suspensão de diuréticos. A reposição de cloro e potássio é fundamental.

Acidose Respiratória

Diagnosticada com pH < 7,35 e CO_2 > 45.

 Ocorre por hipoventilação, que pode ser causada por doenças respiratórias, neuromusculares, intoxicações ou obesidade extrema.

 O tratamento é focado em suporte ventilatório e na correção da causa subjacente.

Alcalose Respiratória

Caracterizada por pH > 7,45 e CO_2 < 35.

 A principal causa é a hiperventilação, que pode ser desencadeada por choro, dor, ansiedade, febre, doenças respiratórias ou neurológicas.

 O tratamento também é direcionado à causa base. Em casos de ansiedade ou choro, pode-se reinalar o CO2 expirado respirando em um “saco”.

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