Disfunções Tireoidianas: Hipotireoidismo e Hipertireoidismo

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A glândula tireoide, apesar de seu tamanho modesto, rege o metabolismo de praticamente todo o nosso corpo. Suas disfunções, portanto, geram quadros clínicos sistêmicos e marcantes. Por isso é fundamental discutir a balança metabólica, que causa o hipotireoidismo e o hipertireoidismo. Destacaremos a fisiopatologia e as diferenças cruciais para um diagnóstico e manejo precisos.

Tireoide

A tireoide é uma glândula em formato de borboleta, localizada na área do pescoço e responsável pela produção de diversos hormônios que nivelam o funcionamento correto do corpo. Diversas condições podem afetar esse funcionamento, que causam 2 consequências muito importantes, mas também contrárias: o Hipotiroidismo e o Hipertireoidismo. 

Hipotireoidismo: O Metabolismo em Câmera Lenta

O hipotireoidismo é uma síndrome clínica resultante da deficiência de hormônios tireoidianos, levando a uma desaceleração generalizada dos processos metabólicos.

Fisiopatologia e Etiologia

A causa do hipotireoidismo pode estar na própria glândula ou no seu controle central.

  • Hipotireoidismo Primário: Corresponde a mais de 90% dos casos e ocorre por uma falha direta da tireoide. A principal causa é a Tireoidite de Hashimoto, uma doença autoimune na qual os anticorpos atacam a glândula. Outras causas importantes incluem o estado pós-cirúrgico (tireoidectomia) e pós-tratamento com iodo radioativo. Laboratorialmente, a falha glandular leva a um T4 Livre (T4L) baixo, e a hipófise, em resposta, aumenta a produção de TSH, na tentativa de estimular a tireoide.
  • Hipotireoidismo Central (Secundário e Terciário): É responsável por cerca de 10% dos casos e decorre de uma deficiência na produção de TSH pela hipófise (secundário) ou de TRH pelo hipotálamo (terciário). Tumores hipofisários são uma causa comum. O perfil laboratorial aqui é de T4L baixo com TSH baixo.
Tumor hipofisário, secretor de TSH. Fonte: https://doi.org/10.1590/S0004-27302009000900013 
  • Hipotireoidismo Subclínico: Caracteriza-se por um TSH elevado com T4L em níveis normais. Representa um estágio inicial de falência tireoidiana.

Quadro Clínico e Diagnóstico

Os sinais e sintomas refletem a “desaceleração” do organismo. Os mais comuns são:

  • Bradicardia e hipotermia.
  • Intolerância ao frio.
  • Ganho de peso discreto (geralmente por edema).
  • Sonolência, fadiga e até depressão.
  • Pele ressecada, queda de cabelo e unhas quebradiças.
  • Pressão arterial convergente.

O diagnóstico é confirmado pela dosagem de TSH e T4L.

Pontos-Chave no Tratamento

O tratamento do hipotireoidismo clínico baseia-se na reposição hormonal com Levotiroxina. Para o hipotireoidismo subclínico, o tratamento é mandatório se o TSH for 10 ou considerado em níveis menores (entre 7 e 10) em pacientes com menos de 65 anos e condições específicas como cardiopatias ou desejo de gestar.

Alerta de Emergência: Coma Mixedematoso

É a manifestação mais grave e rara do hipotireoidismo, representando uma emergência médica. Ocorre em pacientes com hipotireoidismo de longa data e não controlado, geralmente precipitado por um fator de estresse como infecções, cirurgias ou exposição ao frio. O quadro clínico é dramático, com rebaixamento do nível de consciência, hipotermia severa, bradicardia e hipoventilação.

Hipertireoidismo: O Metabolismo Acelerado

No outro extremo, o hipertireoidismo é a condição de tireotoxicose causada pela produção excessiva de hormônios pela própria glândula tireoide.

Fisiopatologia e Etiologia

A hiperfunção da glândula pode ter diferentes gatilhos:

  • Doença de Graves: É a causa mais comum, respondendo por cerca de 80% dos casos. Trata-se de uma doença autoimune onde anticorpos específicos (TRAb) se ligam aos receptores de TSH na tireoide, estimulando-os continuamente a produzir e liberar hormônios de forma autônoma. O resultado laboratorial clássico é TSH baixo (suprimido pelo excesso de hormônio circulante) e T4L elevado.
  • Bócio Nodular Tóxico (Uni ou Multinodular): Nódulos tireoidianos autônomos produzem hormônios independentemente do estímulo do TSH. O quadro clínico tende a ser mais brando e de evolução lenta.
  • Tireoidites (ex: Hashitoxicose, Subaguda): Nestes casos, um processo inflamatório leva à destruição dos folículos tireoidianos, com a liberação na corrente sanguínea de grandes quantidades de hormônios pré-formados. É uma causa de hipertireoidismo transitório.

Quadro Clínico e Diagnóstico

Os sintomas refletem um estado de hipermetabolismo:

  • Taquicardia, palpitações e arritmias (como Fibrilação Atrial).
  • Tremores de extremidades, ansiedade e insônia.
  • Intolerância ao calor e sudorese excessiva.
  • Perda de peso, apesar do apetite mantido ou aumentado.
  • Hiperdefecação.
  • Pressão arterial divergente.

Na Doença de Graves, podem ocorrer achados patognomônicos como a Oftalmopatia (exoftalmia, retração palpebral) e a Dermopatia (mixedema pré-tibial).

Exoftalmia relacionada a Doença de Graves. Fonte: https://doi.org/10.1590/S0100-39842009000400014 

O diagnóstico diferencial é fundamental. Além do TSH e T4L, a cintilografia da tireoide é um exame-chave: mostra captação difusa e exacerbada na Doença de Graves, áreas focais de hipercaptação (“nódulos quentes”) no Bócio Tóxico e captação suprimida nas tireoidites.

Fonte: https://doi.org/10.1590/S0004-27302011000900005

Pontos-Chave no Tratamento

O manejo visa controlar os sintomas e a produção hormonal.

  • Controle Sintomático: Beta-bloqueadores (ex: Propranolol) são usados para aliviar rapidamente os sintomas adrenérgicos como taquicardia e tremores.
  • Drogas Antitireoidianas (Tionamidas): O Metimazol é a droga de escolha para bloquear a síntese de novos hormônios. O Propiltiouracil (PTU) é reservado para o 1º trimestre da gestação ou em casos de alergia ao metimazol.
  • Tratamento Definitivo: Para Doença de Graves e Bócio Nodular Tóxico, as opções são a radioiodoterapia ou a tireoidectomia (cirurgia).

Alerta de Emergência: Crise Tireotóxica

É a forma mais grave de tireotoxicose, com alta mortalidade. Assim como no coma mixedematoso, é desencadeada por um fator precipitante (infecção, cirurgia, trauma) em um paciente com hipertireoidismo não tratado. A clínica é de uma disfunção multissistêmica exacerbada: febre alta, taquicardia severa, disfunção do SNC (agitação, delirium, coma) e insuficiência cardíaca.

Hipotireoidismo vs. Hipertireoidismo

CaracterísticaHipotireoidismoHipertireoidismo
Fisiopatologia CentralProdução hormonal insuficienteProdução hormonal excessiva
Principal Causa PrimáriaTireoidite de Hashimoto (autoimune)Doença de Graves (autoimune)
Laboratório (Primário)TSH Alto, T4L BaixoTSH Baixo, T4L Alto
Sintomas-ChaveBradicardia, intolerância ao frio, fadiga, ganho de pesoTaquicardia, intolerância ao calor, ansiedade, perda de peso
Emergência AssociadaComa MixedematosoCrise Tireotóxica

Compreender as bases fisiopatológicas distintas do hipo e do hipertireoidismo é o primeiro passo para um raciocínio clínico assertivo, permitindo a correta interpretação dos exames e a instituição da terapêutica mais adequada para cada paciente.

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