
As Síndromes Coronarianas Agudas (SCA) representam um espectro de condições clínicas resultantes da isquemia miocárdica aguda. O domínio de sua apresentação clínica e, fundamentalmente, das alterações no eletrocardiograma (ECG) é crucial na prática da emergência cardiológica.
Conceitos Fundamentais da Lesão Miocárdica e o ECG
Nós já discutimos um pouco das novas diretrizes da Síndrome Coronariana Aguda. Mas precisamos também entender como a cascata da isquemia miocárdica pode ser entendida no eletrocardiograma, que revela seus três estágios evolutivos:
- Isquemia: É a fase de alteração da Onda T, considerada reversível.
- Lesão (ou Injúria): Caracteriza-se pela alteração do segmento ST, que ainda é reversível, mas indica que a necrose está próxima de ocorrer.
- Necrose: Marcada pela alteração do complexo QRS (Onda Q patológica) e é considerada irreversível.
Isquemia Miocárdica no ECG
A isquemia se manifesta primariamente pela alteração da Onda T. A localização da isquemia (subendocárdica ou subepicárdica/transmural) determina a morfologia da Onda T no ECG.
Isquemia Subepicárdica ou Transmural
- Definição: A isquemia subepicárdica e transmural são frequentemente vistas em conjunto no ECG, sendo difícil distingui-las. Devido à vascularização coronariana vir do epicárdio para o endocárdio, é incomum uma isquemia limitada ao epicárdio, tornando-a geralmente transmural.
- Achados no ECG:
- Onda T negativa (invertida).
- Onda T simétrica.
- Onda T pontiaguda (apiculada).

Isquemia Subendocárdica
- Achados no ECG:
- Onda T positiva (ampla).
- Onda T simétrica.
- Onda T pontiaguda (apiculada).


Lesão Miocárdica no ECG
A lesão miocárdica é refletida pelas alterações do segmento ST.
Lesão Subepicárdica ou Transmural
- Sinônimo Clínico: Síndrome Coronariana Aguda com Supradesnivelamento do Segmento ST (SCAcST) ou Infarto com Supra de ST.
- Achados no ECG:Supradesnivelamento do Segmento ST (Supra do ST).
- O Supra do ST deve ser medido a partir do ponto J (transição do QRS para o ST).
- Critério Geral: Elevação 1 mm em duas derivações contíguas.
- Critérios Específicos em V2 e V3:
- >2 mm em homens >40 anos.
- >2,5 mm em homens <40 anos.
- >1,5 mm em mulheres.

- Importância: A Lesão Subepicárdica/Transmural (Supra de ST) permite a localização precisa da área lesada.
Lesão ou Injúria Subendocárdica
- Sinônimo Clínico: Síndrome Coronariana Aguda sem Supradesnivelamento do Segmento ST (SCAsST).
- Achados no ECG:Infradesnivelamento do Segmento ST (Infra do ST).
- Critério (SBC): Infra de ST >0,5 mm.
- Outras Referências: Mencionam Infra de ST 1,00 mm.
- Limitação: Na presença de Infra de ST, a localização exata da lesão não pode ser determinada com precisão.

Necrose Miocárdica no ECG
A necrose, que é a morte celular irreversível, é detectada pela presença da Onda Q patológica.
- Fisiopatologia: A área necrosada torna-se eletricamente inativa, embora ainda conduza potenciais. Os eletrodos posicionados em frente a essa área inativa registram ondas negativas correspondentes aos potenciais elétricos da parede oposta (Teoria da Janela).
- Critério de Patologicidade: Para ser considerada patológica, a Onda Q deve ter profundidade (amplitude) e duração específicas:
- Duração: , ≥ 0,03 ms (aproximadamente 1 quadradinho pequeno).
- Amplitude: 0,1 mV (aproximadamente 1 quadradinho pequeno de profundidade).

Diagnóstico Topográfico das Síndromes Coronarianas
A localização da área acometida é identificada pelo ECG com base nas derivações que apresentam as alterações de lesão (Supra ou Infra de ST) ou necrose (Onda Q).
| Parede Miocárdica | Derivações do ECG | Artéria Relacionada (Mais Comum) |
| Inferior | D2, D3, aVF | Artéria Coronária Direita (CD) |
| Anterior | V1 – V4 | Artéria Descendente Anterior (DA) ou Tronco da Coronária Esquerda (TCE) |
| Lateral (Baixa) | V5 – V6 | Artéria Circunflexa (Cx) (junto com D1, aVL) |
| Lateral (Alta) | D1, aVL | Artéria Circunflexa (Cx) |
| Anterior Extensa | V1 – V6, D1, aVL | Oclusão de Descendente Anterior (DA) ou Tronco da Coronária |
| Direitas (Ventrículo Direito) | V3R – V4R | – |
| Posterior/Dorsal | V7 – V8 | – |

Diagnóstico Evolutivo (Estágios do Infarto)
O infarto agudo do miocárdio (IAM) evolui em fases, com alterações eletrocardiográficas características:
| Estágio | Tempo | Achado no ECG | Alterações Chave |
| Hiperaguda | Poucos minutos | 1 | Onda T hiperaguda (isquemia) |
| Aguda | Até 6 horas | 2 | Elevação do ST (Supra), Onda R ampla, Onda Q pequena. Ainda sem perda significativa de músculo. |
| Subaguda | > 6 horas | 3 | ST elevado diminuindo, Onda T invertida. Perda de Onda R, Surgimento de Onda Q patológica. |
| Crônica (Dias) | Dias | 4 | Normalização do ST. Onda T negativa. Onda Q patológica. |
| Crônica (Semanas/Meses) | Semanas a meses | 5 | Perda do R. Normalização da Onda T (pode ou não ocorrer). Onda Q persistente. |
Imagem em Espelho (Imagem Recíproca)
A Imagem em Espelho refere-se a alterações eletrocardiográficas em um mesmo traçado com morfologia inversa, que representam um único evento isquêmico.
- Mecanismo: Ocorre em paredes miocárdicas aproximadamente opostas. Por exemplo, um Supra de ST em uma parede gera um Infra de ST na parede oposta, ou vice-versa.
- Pares Comuns:
- Anterior (V1-V4) x “Posterior” (V7-V8).
- Anterior (V1-V4) x Infero-“Dorsal” (D2-D3-aVF V7-V8).
- Anterolateral (D1-aVL V5-V6) x Inferior (D2 D3 aVF).
- Exemplo Clínico: Infra de ST na parede lateral (D1, aVL, V5, V6) com Supra de ST na parede inferior (D2, D3, aVF) sugere Infarto Inferior com imagem em espelho lateral.

Padrões Específicos e de Risco
Alguns achados eletrocardiográficos indicam alto risco ou localizações específicas de lesões arteriais.
Bloqueio de Ramo Esquerdo (BRE) Novo
- O BRE de surgimento recente em um paciente com sintomas de SCA é considerado equivalente a um infarto com Supra de ST (SCAcST).
- É considerado “novo” se houver um ECG anterior sem a alteração.
- Critérios de Sgarbossa (Modificados): Usados para diagnosticar SCAcST na presença de BRE pré-existente (pouco sensível, mas específico):
- Elevação do ST ≥1,0 mm em concordância com o QRS/T (5 pontos).
- Depressão do ST ≥1,0 mm em V1, V2 e V3 (3 pontos).
- Elevação do ST ≥5,0 mm em discordância com o QRS/T (2 pontos).
- A presença de apenas 1 dos 3 achados no Sgarbossa modificado é suficiente para considerar SCA com Supra de ST.

Padrões de Risco – Supra de aVR e Infra Difuso
- Achado: Supradesnivelamento do segmento ST em aVR associado a infradesnivelamento difuso do ST.
- Sugestão Clínica: Indica lesão grave e proximal, como oclusão do Tronco da Coronária Esquerda (TCE) ou da Artéria Descendente Anterior (DA) proximal.

Padrões de Wellens (Tipo 1 e Tipo 2)
- São padrões de Onda T na parede anterior que, em um cenário clínico compatível com SCA (geralmente assintomático ou com dor resolvida), sugerem lesão suboclusiva de Artéria Descendente Anterior (DA) proximal.
- Wellens Tipo 1 (Plus-Minus Anterior): Onda T com porção inicial positiva e final negativa (bifásica) na parede anterior (principalmente V1-V3).
- Wellens Tipo 2: Onda T invertida, simétrica e pontiaguda na parede anterior (V1-V6).

Padrão de De Winter
- Achado: Infradesnivelamento do ST de morfologia ascendente que se conecta a uma onda T pontiaguda, simétrica e positiva.
- Sugestão Clínica: Indica um quadro superagudo de oclusão coronariana (equivalente a SCAcST).

Conduta Terapêutica
Trombólise na SCAcST
A trombólise é uma opção de reperfusão na SCAcST (Infarto com Supra).
- Indicação: Pacientes com sintomas há até 12 horas.
- Tempo Ideal: Idealmente em até 10 minutos após o diagnóstico.
- Opções de Fibrinolíticos: Tenecteplase, Alteplase, Estreptoquinase.
- Critérios de Sucesso da Trombólise:
- Queda do Supra de ST a > 50%.
- Melhora da dor.
- Ritmos de reperfusão.
- Pico precoce de enzimas.
- Conversão do Infarto: O Infarto com Supra de ST, após a trombólise bem-sucedida, torna-se um infarto sem supra de ST.
- Estratégia Porta-Agulha: Se a transferência do paciente com SCAcST demorar mais que 2 horas, a trombólise deve ser considerada (tempo porta-agulha < 30 min min), visando a diminuição da dor e a redução do Supra de ST para < 50% do valor de admissão em até 2 horas.
Ritmos de Reperfusão
- Ritmo Idioventricular Acelerado (RIVA): É um dos ritmos que indicam trombólise efetiva.
- Características: Assemelha-se à Taquicardia Ventricular (TV), mas com Frequência Cardíaca (FC) entre 50-100 bpm.
Arritmias Ventriculares na SCA
- Taquicardia Ventricular Monomórfica (TVM): Deve ser diferenciada da SCA, apesar de poder ser um achado concomitante.
- Achados no ECG: Ritmo cardíaco regular, ausência de onda P ou dissociação, QRS S > 0,12 segundos, FC > 100 bpm (geralmente 130-200 bpm).
- Complexos: Presença de Fusão (QRS anômalo sobre QRS normal) e Captura (QRS normal no meio da TV).
Conquiste a aprovação e acompanhe mais conteúdos!
Gostou da novidade? Continue acompanhando nosso blog para ficar por dentro das principais notícias sobre residência médica, editais e oportunidades que podem transformar sua carreira!

