Cânceres de rim e bexiga: entenda os principais tipos, sintomas e tratamento

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A uro-oncologia é um campo vasto e de extrema importância na prática médica. Por isso, precisamos nos aprofundar em dois dos tópicos mais relevantes: o Carcinoma de Células Renais (CCR) e o Câncer de Bexiga. 

Carcinoma de Células Renais (CCR)

O câncer de rim é a neoplasia urológica mais letal, principalmente porque seu diagnóstico costuma ocorrer em estágios avançados.

Epidemiologia

O CCR abrange um grupo de tumores com diferentes subtipos histológicos e prognósticos.

  • Tipos Histológicos Principais:
    • Tumor de Células Claras (80%): É o mais comum, geralmente se apresenta como uma massa circunscrita em exames de imagem e possui o pior prognóstico.
    • Carcinoma Papilar (10-15%): Frequentemente multicêntrico e associado a pacientes com Doença Renal Crônica (DRC) terminal.
    • Tumor Cromófobo (5%): Apresenta um bom prognóstico.
    • Carcinoma Medular Renal: Um tipo raro e extremamente agressivo que afeta jovens, com forte associação à anemia falciforme e mortalidade próxima de 100%.
    • Diferenciação Sarcomatoide: Um achado histopatológico presente em cerca de 5% dos CCRs que indica crescimento agressivo e metástases precoces.
Tumor agressivo do Rim direito. Fonte: Reddan D et al. The American Journal of Medicine, 2001
  • Fatores de Risco:
    • Tabagismo.
    • Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS).
    • Obesidade.
    • Doença Renal Crônica (incluindo pacientes em diálise).
    • Síndromes familiares (ex: Von Hippel-Lindau, Esclerose Tuberosa).

Qual o quadro clínico e como fazer o diagnóstico?

Até 60% dos casos são diagnosticados incidentalmente durante exames de imagem para outras condições. Quando presentes, os sintomas geralmente indicam doença avançada.

  • Tríade Clássica (presente em <30% dos casos):
    • Dor lombar.
    • Massa palpável.
    • Hematúria.
  • Síndromes Paraneoplásicas: HAS, anemia, febre de origem indeterminada e a Síndrome de Stauffer (disfunção hepática não metastática) são achados possíveis.
  • Diagnóstico por Imagem:
    • A Tomografia Computadorizada (TC) de abdome e pelve com contraste é o padrão-ouro para diagnóstico e estadiamento.
    • A Ressonância Magnética (RM) é uma alternativa importante em caso de alergia ao contraste iodado, para avaliar trombose venosa tumoral ou para diferenciar lesões císticas complexas.
Imagem de tomografia computadorizada em incidência transversal, mostrando volumoso tumor renal direito (arquivo Dr. Fernando Zapparoli). Fonte:https://drfernandozapparoli.com.br/cancer-de-rim/ 

A Classificação de Bosniak para Lesões Císticas

A classificação de Bosniak é fundamental para guiar a conduta em lesões císticas renais encontradas na TC.

  • Bosniak 1 e 2: Cistos simples, considerados benignos (0% de malignidade), não necessitam de seguimento.
  • Bosniak 2F (“F” de Follow-up): Cistos com algumas septações finas ou microcalcificações. Possuem baixo risco de malignidade (cerca de 5%) e exigem acompanhamento com exames de imagem (geralmente TC em 6 meses).
  • Bosniak 3: Lesões com septos espessos ou realce pelo contraste. O risco de malignidade é de aproximadamente 50%, e a recomendação é o tratamento cirúrgico.
  • Bosniak 4: Lesões císticas com componentes sólidos e realce pelo contraste. São consideradas 100% malignas até prova em contrário, indicando tratamento cirúrgico.
Classificação de Bosniak dos cistos renais, indicando porcentagem de malignidade: Bosniak 1 e 2 (0%), Bosniak 2F (5%), Bosniak 3 (50%) e Bosniak 4 (100%).
Classificação de Bosniak do CA de rim. | Acervo de aulas do Grupo MedCof. 

Como fazer o estadiamento e o tratamento?

O tratamento do CCR é eminentemente cirúrgico, visto que são tumores quimio e radiorresistentes.

  • Estadiamento (TNM Simplificado):
    • T1: Tumor ≤ 7 cm, restrito ao rim.
    • T2: Tumor > 7 cm, restrito ao rim.
    • T3: O tumor invade grandes veias ou o tecido perirrenal, mas não ultrapassa a fáscia de Gerota.
    • T4: O tumor invade além da fáscia de Gerota ou a glândula adrenal ipsilateral.
  • Modalidades de Tratamento:
    • Vigilância Ativa ou Terapias Ablativas: Opções para tumores pequenos (< 3 cm) em pacientes com comorbidades ou baixo status performance.
    • Nefrectomia Parcial: É o tratamento padrão para tumores T1, visando preservar a função renal.
    • Nefrectomia Radical: Indicada para tumores T2 ou maiores, ou quando a cirurgia parcial não é tecnicamente viável.
    • Cirurgia Citorredutora: Em pacientes com doença metastática, a remoção do tumor primário pode aumentar a sobrevida, especialmente quando associada a terapia-alvo.
Etapas de cirurgia citoredutora renal mostrando remoção do tumor e sutura do rim após ressecção.
Ilustração de cirurgia citorredutora. | Acervo de Aulas do Grupo MedCof.

Câncer de Bexiga (Carcinoma Urotelial)

O câncer de bexiga origina-se no urotélio, o epitélio que reveste o trato urinário desde a pelve renal até a bexiga. A distinção fundamental para prognóstico e tratamento é se o tumor invade ou não a camada muscular (músculo detrusor).

Exame citopatológico do câncer de bexiga. Fonte: https://medicine.nus.edu.sg/pathweb/normalhistology/ bladder/ 

Epidemiologia e Fatores de Risco

  • Tabagismo: É o principal fator de risco.
  • Exposição Ocupacional: Contato com aminas aromáticas em indústrias de corantes, borracha e petroquímicas.
  • Radioterapia Pélvica: Tratamento prévio para outras neoplasias pélvicas.
  • Esquistossomose: Relevante em algumas regiões do mundo, como o Egito, mas não é um fator típico no Brasil.

Quadro Clínico e Investigação

  • Hematúria: É o sinal de alerta cardinal. Pode ser macroscópica (13% dos casos terão diagnóstico de câncer) ou microscópica (3%).
  • Sintomas Irritativos (LUTS): Disúria, polaciúria e urgência podem ocorrer.
  • Investigação Diagnóstica:
    1. Cistoscopia: Exame essencial para visualizar diretamente a bexiga e identificar lesões suspeitas.
    2. Urotomografia (UroTC): Padrão-ouro para avaliar todo o trato urinário. É uma TC com contraste que inclui uma fase excretora tardia para delinear o urotélio.
    3. Citologia Oncótica Urinária: Pode detectar células tumorais na urina, sendo útil na investigação.

A abordagem da hematúria microscópica é estratificada por risco (baixo, intermediário, alto) com base na idade, histórico de tabagismo e grau de hematúria, definindo a necessidade de investigação mais ou menos invasiva.

Tabela de estratificação de risco para hematúria microscópica com categorias: baixo, intermediário e alto risco, conforme tabagismo, idade e número de hemácias.
Hematúria microscópica (estratificação e conduta). | Acervo de aulas do Grupo MedCof.

Diagnóstico, Estadiamento e Classificação de Risco

O diagnóstico definitivo e o estadiamento são realizados através da Ressecção Transuretral da Bexiga (RTU-B).

  • Procedimento (RTU-B): Uma alça de ressecção é introduzida pela uretra para remover a lesão visível. É crucial que a amostra contenha a camada muscular para determinar se o tumor é músculo-invasivo.
  • Re-RTU (Segunda Ressecção): Um novo procedimento realizado de 2 a 6 semanas após a RTU inicial é obrigatório em tumores T1, de alto grau (G3), múltiplos ou quando não há músculo na primeira amostra, para garantir a remoção de tumor residual e confirmar o estadiamento.
Procedimento endoscópico com ressectoscópio e alça de 24-Fr para biópsia da bexiga em diagnóstico anatomopatológico.
Diagnóstico que se completa com o anatomopatológico. | Acervo de aula do Grupo MedCof. 
  • tadiamento (TNM Simplificado):
    • Ta: Tumor papilífero não invasivo, confinado ao urotélio.
    • Tis (Carcinoma in situ): Lesão plana, de alto grau, confinada ao epitélio.
    • T1: O tumor invade o tecido conjuntivo subepitelial.
    • T2: O tumor invade a camada muscular.
  • Classificação de Risco (Tumores Não Músculo-Invasivos):
    • Baixo Risco: Tumor único, Ta, baixo grau, < 3 cm, sem Tis.
    • Alto Risco: Tumor T1, alto grau, presença de Tis, ou tumores múltiplos e > 3 cm.
    • Risco Intermediário: Casos que não se enquadram nos critérios de baixo ou alto risco.
Comparação microscópica dos graus de desorganização celular em câncer de bexiga: baixo grau (G1), alto grau (G3) e carcinoma in situ (CIS).
Grau de desorganização celular. | Acervo de aulas do Grupo MedCof. 

Tratamento

A abordagem terapêutica depende fundamentalmente da invasão da camada muscular.

  • Tumor Não Músculo-Invasivo (Ta, T1, Tis):
    • Baixo risco: RTU seguida de vigilância com cistoscopia. Uma dose única de quimioterapia intravesical pode ser considerada.
    • Risco Intermediário/Alto: Após a RTU, o tratamento padrão é a imunoterapia intravesical com BCG (Bacilo de Calmette-Guérin), administrada por 1 a 3 anos para reduzir o risco de recorrência e progressão.
  • Tumor Músculo-Invasivo (≥T2):
    • O tratamento padrão é a cistectomia radical.
      • Homens: Cistoprostatectomia (retirada da bexiga e próstata).
      • Mulheres: Exenteração pélvica anterior (retirada da bexiga, útero e ovários).
    • Após a cistectomia, é necessária uma derivação urinária:
      • Conduto Ileal (Bricker): Um segmento do íleo é usado para criar um conduto que leva a urina dos ureteres para um estoma na parede abdominal (derivação incontinente).
      • Neobexiga Ortotópica: Um reservatório é construído com o intestino e posicionado no local da bexiga original, permitindo ao paciente urinar pela uretra (derivação continente).
Ilustração médica do conduto ileal tipo Bricker mostrando a retirada de segmento intestinal e sua conexão com ureteres para derivação urinária.
Conduto ileal “Bricker”. | Acervo de aulas do Grupo MedCof. 

O câncer de bexiga tem uma alta taxa de recidiva, exigindo seguimento rigoroso e contínuo com cistoscopias periódicas, pois todo o urotélio permanece em risco.

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