
As doenças orificiais representam uma parcela significativa das queixas em coloproctologia, demandando diagnóstico preciso e manejo adequado. Por isso, vamos revisar as principais afecções — doença hemorroidária, fissura anal e fístulas perianais — com base em sua fisiopatologia, classificação e estratégias terapêuticas.
Doença Hemorroidária
Contrariando o senso comum, as hemorroidas são estruturas anatômicas normais do corpo, compostas por coxins vasculares de arteríolas e veias. Elas desempenham um papel fundamental na continência fecal e na proteção dos esfíncteres. A doença hemorroidária surge da degeneração dos tecidos de sustentação anal, associada a um hiperfluxo arterial dos ramos da artéria retal superior, resultando no deslizamento dos coxins.

Fatores de Risco
- Esforço evacuatório.
- Hábitos dietéticos inadequados.
- Predisposição genética.
- Condições que aumentam a pressão abdominal.

Classificação
A principal referência anatômica para a classificação é a linha pectínea ou dentada.
- Hemorroidas Internas: Localizadas acima da linha pectínea, são recobertas por mucosa e possuem inervação visceral, sendo tipicamente indolores. Suas manifestações clássicas são sangramento e prolapso.
- Hemorroidas Externas: Situadas abaixo da linha pectínea e recobertas por anoderma ou pele, possuem inervação somática. A dor é um sintoma proeminente, especialmente em casos de trombose.
As hemorroidas internas são subclassificadas em graus, de acordo com a severidade do prolapso:

Sintomas e Tratamento
Os principais sintomas incluem sangramento, prolapso, prurido e, em casos de trombose, dor aguda associada a uma nodulação local.
Para todos os pacientes, recomenda-se a regularização do hábito intestinal com aumento da ingestão de fibras e água, redução do esforço evacuatório e banhos de assento. Para hemorroidas internas de grau II refratárias ao tratamento clínico, as opções ambulatoriais incluem a ligadura elástica ou a escleroterapia.

A cirurgia é indicada em casos de trombose de repetição, hemorroidas internas graus III e IV, e falha das abordagens conservadoras.
- Técnicas Excisionais (Hemorroidectomia): As técnicas de Milligan-Morgan (aberta) e Ferguson (fechada) são o padrão-ouro, tratando componentes internos e externos. As principais complicações são dor pós-operatória e estenose anal.


Técnicas Não Excisionais: Utilizadas para hemorroidas internas com prolapso circunferencial, incluem o PPH (grampeamento) e o THD (desarterialização hemorroidária transanal). Apresentam menor dor pós-operatória, mas taxas de recidiva mais elevadas.

Fissura Anal
A fissura anal é uma ulceração linear da anoderme, localizada distalmente à linha pectínea. Em 90% dos casos, ocorre na linha média posterior e está associada a trauma local por constipação, diarreia ou sexo anal.
Classificação e Tratamento
- Aguda (< 6 semanas): Geralmente responde ao tratamento clínico, que inclui a regularização do hábito intestinal, banhos de assento e o uso de bloqueadores do canal de cálcio tópicos (diltiazem, nifedipina) para relaxamento do esfíncter.
- Crônica (> 6 semanas): Caracteriza-se pela tríade de úlcera esbranquiçada, plicoma sentinela e hipertrofia do esfíncter anal interno. O tratamento de escolha é cirúrgico, sendo a esfincterotomia lateral interna o padrão-ouro.
Fissuras em localizações atípicas devem levantar suspeita para etiologias secundárias como Doença de Crohn, HIV, neoplasias, sífilis ou tuberculose.
Fístulas e Abscessos Perianais
Abscesso Perianal
O abscesso perianal resulta da infecção das glândulas de Chiari e sua consequente obstrução. Cerca de 50% dos casos evoluem com a formação de fístulas perianais. O tratamento consiste na drenagem cirúrgica, com ou sem antibioticoterapia associada, sendo crucial a vigilância para o risco de evolução para a gangrena de Fournier.
A classificação de Parks para abscessos descreve sua localização anatômica: perianal, isquiorretal, interesfincteriano e supraelevador.
Fístula Perianal
Define-se como a comunicação anormal entre uma cripta infectada no canal anal e o tecido perianal. O principal sintoma é a drenagem constante de secreção purulenta ou fecaloide pelo orifício externo.
Classificação e Avaliação:
A Classificação de Parks é fundamental para o planejamento terapêutico:
- Parks 1: Interesfincteriana (45% dos casos).
- Parks 2: Transesfincteriana.
- Parks 3: Supraesfincteriana.
- Parks 4: Extraesfincteriana.

A Regra de Goodsall-Salmon ajuda a prever o trajeto fistuloso com base na localização do orifício externo. Orifícios anteriores tendem a ter um trajeto linear, enquanto os posteriores apresentam um trajeto curvilíneo em direção à linha média posterior.
O tratamento varia conforme a complexidade da fístula.
- Fístulas Simples: Aquelas que acometem menos de 30% do esfíncter externo, geralmente interesfincterianas, podem ser tratadas com fistulotomia ou fistulectomia.
- Fístulas Complexas: Incluem as supra ou extraesfincterianas, transesfincterianas com mais de 30% de envolvimento muscular, ou associadas a condições como Doença de Crohn. O tratamento visa a resolução do trajeto infeccioso com preservação da continência, utilizando técnicas como a passagem de
- sedenho, retalhos de avanço ou o procedimento de LIFT (ligadura do trajeto fistuloso no espaço interesfincteriano).
O manejo adequado das doenças orificiais exige um conhecimento aprofundado da anatomia anorretal, fisiopatologia e das diversas opções terapêuticas disponíveis para otimizar os resultados e minimizar o risco de complicações e recidivas.
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