Neoplasias Pancreáticas e Periampulares: Diagnóstico e Tratamento Cirúrgico

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As neoplasias do pâncreas e das vias biliares representam um grupo heterogêneo de tumores com desafios diagnósticos e terapêuticos significativos. Quando falamos do tratamento cirúrgico e das manifestações, saber os detalhes que envolvem essas neoplasias é fundamental. 

Como reconhecer?

A apresentação clínica frequentemente ocorre em fases avançadas, e o tratamento curativo depende de uma avaliação criteriosa de ressecabilidade e de procedimentos cirúrgicos complexos. Por isso é tão importante diferenciar as neoplasias de apenas cálculos biliares, com manejo bem diferente como já abordamos aqui! Vamos explorar as principais neoplasias císticas e sólidas do pâncreas, bem como os tumores periampulares, detalhando a abordagem diagnóstica, os critérios de estadiamento, as estratégias cirúrgicas e o manejo das complicações.

Como é a apresentação clínica e diagnóstico inicial?

A icterícia obstrutiva, caracterizada por icterícia, colúria, acolia fecal e prurido, associada a emagrecimento em pacientes com mais de 60 anos, é a apresentação clássica dos tumores periampulares. A região da ampola de Vater, onde confluem o ducto colédoco distal, o ducto pancreático principal (Wirsung) e a segunda porção duodenal, pode ser acometida por quatro tipos histológicos principais: adenocarcinoma de pâncreas, colangiocarcinoma distal, adenocarcinoma de duodeno e tumor de papila duodenal.

Etiologias da neoplasia pancreática e periambular. Fonte: Acervo de aulas do grupo MedCof.

O sinal de Courvoisier-Terrier, que consiste na palpação de uma vesícula biliar hiperdistendida e indolor, é um achado sugestivo de malignidade periampular. O diagnóstico por imagem inicia-se com a ultrassonografia (USG), que tipicamente revela dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas. A Tomografia Computadorizada (TC) de tórax, abdome e pelve (TAP) com contraste é fundamental para o estadiamento, avaliação da ressecabilidade e planejamento cirúrgico. A ressonância magnética (RM) com colangiorressonância é o melhor exame para o estudo de lesões císticas e uma alternativa em casos de disfunção renal ou alergia ao contraste iodado.

Neoplasias Císticas Pancreáticas

As lesões císticas do pâncreas são um achado cada vez mais frequente, e sua correta caracterização é crucial para definir a conduta.

Neoplasia Cística Serosa (Cistoadenoma Seroso)

Considerada uma lesão benigna , é mais comum em mulheres idosas (> 60 anos). Não possui localização preferencial no pâncreas. A imagem característica é de múltiplos pequenos cistos em aspecto de “favo de mel”, frequentemente com uma cicatriz central que pode conter calcificações. Os marcadores tumorais como Amilase, Lipase e CEA (antígeno carcinoembrionário) no cisto não se elevam. A conduta é geralmente conservadora, com cirurgia reservada para pacientes sintomáticos ou em casos de cistos grandes (> 4-6 cm) na cabeça do pâncreas, devido a um risco mínimo de degeneração maligna.

Achado Radiológico de neoplasia cística serosa. Ele pode ser lembrado pela frase: “SErosa: SEnhora, SEm elevar marcadores, cuja imagem pode revelar uma SEcatriz, SEntral, e uma imagem de favo de mel (que te leva para o céu!)”. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.

Neoplasia Cística Mucinosa (Cistoadenoma Mucinoso)

Esta neoplasia acomete quase exclusivamente mulheres de meia-idade (> 40 anos) e localiza-se preferencialmente no corpo e cauda do pâncreas. Apresenta risco de malignização e, por isso, o tratamento é cirúrgico. Caracteriza-se por ser frequentemente unilocular, com possíveis calcificações periféricas (excêntricas). Um achado importante é a elevação do CEA no líquido cístico. O tratamento padrão é a pancreatectomia corpo-caudal com esplenectomia.

Estroma ovariano (células vacuolizadas) que pode ocorrer na parede do pseudocisto. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.

Neoplasia Intraductal Papilífera Mucinosa (IPMN)

O IPMN pode acometer tanto homens quanto mulheres e se divide em três tipos: de ducto principal, de ducto secundário e misto. O IPMN do ducto principal possui um risco de evolução para câncer muito maior que o de ducto secundário. O diagnóstico é auxiliado pela endoscopia, que pode revelar a “papila em olho de peixe”, um sinal da extrusão de mucina.

IPMN de ducto secundário (lesão comunica com ducto principal). www.radiopaedia.org 
“Papila em olho de peixe” – reflete a saída de mucina  achado quase patognomônico. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.

A conduta no IPMN é guiada pelos critérios de Fukuoka, que estratificam o risco com base em “estigmas de alto risco” e “critérios de preocupação”.

  • Estigmas de Alto Risco: indicam cirurgia imediata e incluem icterícia obstrutiva, um nódulo mural com realce ≥ 5 mm e dilatação do ducto pancreático principal > 10 mm.
  • Critérios de Preocupação: incluem cisto ≥ 3 cm, nódulo mural < 5 mm, espessamento da parede do cisto, dilatação do ducto pancreático principal entre 5-9 mm, entre outros. Na presença desses critérios, indica-se ultrassom endoscópico (ecoendoscopia) para melhor avaliação e decisão sobre a cirurgia.

Neoplasia Sólido-Cística Pseudopapilar (Tumor de Frantz)

É um tumor raro, mais comum em mulheres jovens (< 40 anos), localizado frequentemente na cauda do pâncreas. Embora seja considerado indolente, possui potencial maligno e pode gerar metástases. A TC revela uma massa sólido-cística de grandes proporções. O tratamento é cirúrgico, geralmente com pancreatectomia corpo-caudal e esplenectomia.

 Visualização de massa sólido-cística de grandes proporções. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.

Adenocarcinoma de Pâncreas

O adenocarcinoma ductal é o tumor pancreático mais comum (>90%) e o quarto que mais causa morte por câncer nos EUA. A maioria (70%) localiza-se na cabeça do pâncreas. O prognóstico é ruim, com menos de 20% dos pacientes sendo candidatos à cirurgia no momento do diagnóstico.

Nessa região pode haver quatro tipos histológicos de neoplasias (adenocarcinoma de pâncreas, de duodeno, tumor de papila duodenal, colangiocarcinoma de colédoco distal). Ampola da Vater: confluência do colédoco distal com o ducto pancreático principal (Wirsung) e a segunda porção duodenal. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.

Estadiamento e Critérios de Ressecabilidade

O estadiamento é realizado com TC e dosagem do marcador tumoral CA 19.9, que, embora não específico, possui valor prognóstico quando muito elevado. A avaliação da ressecabilidade baseia-se no envolvimento de estruturas vasculares adjacentes, como a veia mesentérica superior (VMS), a veia porta, o tronco celíaco e a artéria mesentérica superior (AMS). A biópsia pré-operatória não é necessária para tumores ressecáveis, exceto em casos de dúvida diagnóstica.

Os tumores são classificados em:

  • Ressecável: Ausência de contato tumoral com artérias e contato com a VMS ou veia porta ≤ 180° sem irregularidade do contorno venoso.
  • Borderline (Limítrofe): Contato venoso > 180° com possibilidade de reconstrução, irregularidade da parede venosa, ou abaulamento arterial < 180°. O contato com a veia cava inferior também classifica o tumor como borderline.
  • Localmente Avançado (Irressecável): Envolvimento arterial > 180° ou impossibilidade de reconstrução venosa.

Tratamento

  • Ressecável: O tratamento padrão é a cirurgia seguida de quimioterapia adjuvante, preferencialmente com o esquema FOLFIRINOX.
  • Borderline: A abordagem inicial é a quimioterapia neoadjuvante (FOLFIRINOX ou Gemcitabina + nab-Paclitaxel) após confirmação histológica por ecoendoscopia com punção (PAAF). A cirurgia é considerada após boa resposta ou estabilidade da doença. A drenagem biliar pré-operatória é indicada em casos de colangite, complicações sistêmicas ou atraso para a cirurgia.
  • Localmente Avançado/Metastático: O tratamento é paliativo, com quimioterapia e manejo dos sintomas, como a obstrução biliar, por meio de próteses metálicas endoscópicas.

Outros Tumores Periampulares

Colangiocarcinoma

Originado no epitélio dos ductos biliares, pode ser intra-hepático (10%), perihilar (50%, tumor de Klatskin) ou distal (40%). A Colangite Esclerosante Primária é o principal fator de risco. O diagnóstico envolve exames de imagem como a colangio-RM, que define a topografia da obstrução.

A classificação de Bismuth-Corlette é fundamental para os tumores hilares (Klatskin):

  • Tipo I: Acomete o ducto hepático comum, com a confluência livre.
  • Tipo II: Atinge a confluência dos ductos hepáticos.
  • Tipo IIIa/IIIb: Envolve a confluência e o ducto hepático direito (IIIa) ou esquerdo (IIIb).
  • Tipo IV: Atinge a confluência e ambos os ductos hepáticos.
Classificação de Bismuth-Corlette. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.

A ressecabilidade depende da preservação de um lobo hepático remanescente com vascularização arterial e portal e drenagem biliar intactas. O tratamento cirúrgico envolve desde ressecções biliares locais até hepatectomias extensas, frequentemente necessitando de embolização pré-operatória da veia porta para induzir hipertrofia do fígado remanescente. Em casos selecionados de tumores irressecáveis, o transplante hepático pode ser uma opção.

Tumores de Duodeno e Papila Duodenal

São tumores raros. O adenocarcinoma de papila pode apresentar icterícia flutuante e tem um prognóstico melhor que o de pâncreas. O diagnóstico é feito por endoscopia digestiva alta (EDA) com visão lateral e biópsia. O tratamento para lesões invasivas é a gastroduodenopancreatectomia (GDP).

Tumores no duodeno. Fonte: www.radiopaedia.org

Procedimentos Cirúrgicos e Complicações

A Gastroduodenopancreatectomia (GDP), ou cirurgia de Whipple, é o procedimento padrão para tumores da cabeça do pâncreas e da região periampular. Para tumores do corpo e cauda, realiza-se a pancreatectomia corpo-caudal com esplenectomia, que exige vacinação pré-operatória contra germes encapsulados.

A reconstrução após a GDP é complexa, sendo a anastomose pancreatojejunal o passo mais crítico e o “calcanhar de Aquiles” do procedimento, associado ao maior risco de complicações.

As principais complicações pós-operatórias incluem:

  • Fístula Pancreática: Definida pela presença de amilase no dreno em nível três vezes superior ao sérico, é a complicação mais temida. É classificada em graus de severidade, podendo levar a abscessos intra-abdominais e erosão vascular com formação de pseudoaneurismas.
  • Esvaziamento Gástrico Retardado (Gastroparesia): É a complicação mais frequente (18%), manifestando-se por náuseas e vômitos persistentes.
  • Outras Complicações: Incluem infecção da ferida operatória, abscessos, fístula biliar e sangramentos.

Em conclusão, o manejo das neoplasias pancreáticas e biliares exige uma abordagem multidisciplinar, com estadiamento preciso para determinar a melhor estratégia terapêutica. A cirurgia de ressecção permanece como a única opção curativa, porém é tecnicamente exigente e associada a morbidade significativa, o que reforça a importância da seleção adequada dos pacientes e do manejo especializado no perioperatório.

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