
A psoríase é uma doença inflamatória imune, crônica e recorrente, que afeta a pele e as articulações. Dada a sua natureza sistêmica e impacto significativo na qualidade de vida, uma compreensão aprofundada de sua etiopatogenia e manejo é essencial.
Epidemiologia e Classificação
A psoríase tem uma prevalência de 1% a 3% na população, sendo rara em indivíduos negros e sem predileção por sexo. A doença apresenta dois picos de incidência:
- Tipo 1: Início precoce (20-30 anos). Este tipo tende a ter maior incidência familiar, forte correlação com o HLA-Cw6, manifestações clínicas mais graves, pior prognóstico e maior resistência ao tratamento.
- Tipo 2: Início tardio (após os 50 anos). Apresenta menor prevalência familiar, lesões mais localizadas e uma resposta terapêutica mais favorável.
Etiopatogenia
A doença é multifatorial, envolvendo fatores genéticos, imunológicos e ambientais.
- Fatores Genéticos: O determinante genético mais importante é o locus PSORS1, responsável por até 50% do risco e que contém o alelo HLA-Cw6. Outras associações incluem o HLA-B*57 (eritrodermia, artrite) e o HLA-B27 (sacroileíte).
- Fatores Imunológicos: A psoríase envolve uma desregulação complexa das imunidades inata e adaptativa.
- Imunidade Inata: Queratinócitos, células NK, células dendríticas e macrófagos ativam a cascata, liberando citocinas como TNF-alfa, IFN-alfa e IL-6.
- Imunidade Adaptativa: As células dendríticas ativadas liberam IL-12 e IL-23. A IL-12 ativa a via Th1 (liberando TNF-alfa, IFN-gama, IL-2), enquanto a IL-23 ativa a via Th17 (liberando IL-17 e IL-22). Ambas as vias ativam mais queratinócitos, perpetuando o ciclo. Esse eixo imunológico é o alvo dos tratamentos biológicos.

Atuação do sistema imune na psoríase. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.
- Alterações Epidérmicas: O ciclo evolutivo das células epidérmicas é drasticamente acelerado, passando de 27 dias (normal) para apenas 4 dias na psoríase.
- Fatores Ambientais (Desencadeantes): Diversos fatores podem instalar ou agravar a doença, incluindo clima frio, trauma cutâneo, infecções (especialmente estreptocócicas e HIV), estresse emocional, tabagismo, etilismo e fármacos (lítio, beta-bloqueadores, IECA/BRA, AINEs e reações paradoxais ao Anti-TNF-alfa).
Formas Clínicas e Semiologia
A psoríase se manifesta em diversas formas clínicas, cada uma com características distintas.
Psoríase Vulgar (em Placas)
É a variante mais comum (até 90%). Caracteriza-se por placas eritematoescamosas bem delimitadas, com escamas argênticas (prateadas). As localizações clássicas são as superfícies extensoras, como cotovelos e joelhos, região sacra e couro cabeludo.

Imagem do dr. Jan R. Mekkes. Reproduzida com permissão.
Semiologia (Curetagem Metódica de Brocq):
- Sinal da Vela: Ao raspar a lesão, as escamas se destacam de forma estratificada.
- Sinal de Auspitz (ou Orvalho Sanguíneo): Após a remoção das escamas, surge um sangramento puntiforme.
Fenômenos Cutâneos:
- Fenômeno de Köbner: Surgimento de lesões psoriásicas em locais de traumatismo cutâneo.

Imagem do site Danderm. Reproduzida com permissão
- Fenômeno de Renbök (Köbner Reverso): Desaparecimento da lesão no local do trauma.
Psoríase Ungueal
Ocorre em 35% a 50% dos pacientes e em até 83% daqueles com doença articular. Os achados variam conforme o local do dano:
- Dano à Matriz: Depressões puntiformes (pittings), leuconíquia (manchas brancas) e esfarelamento da unha.
- Dano ao Leito Ungueal: Onicólise (descolamento), ceratose subungueal, hemorragias em estilha e a mancha de óleo/salmão.

Fonte: Imagens do site Danderm. Reproduzida com permissão.
Psoríase Invertida
Acomete as áreas de flexuras (dobras).

Fonte: Imagem do dr. Jan R. Mekkes. Reproduzida com permissão
Psoríase Gutata (em Gota)
Manifesta-se como um início súbito de pequenas lesões eritematodescamativas arredondadas, frequentemente 2 a 3 semanas após uma infecção estreptocócica de vias aéreas. É mais comum em crianças e adultos jovens.

Fonte: Imagens do site Danderm. Reproduzida com permissão
Psoríase Pustulosa
Existem formas localizadas e generalizadas:
- Localizada: Inclui a pustulose palmoplantar (mais comum em mulheres, fortemente associada ao tabagismo) e a acrodermatite contínua de Hallopeau.
- Generalizada (Von Zumbusch): É uma erupção súbita e generalizada de pústulas estéreis, acompanhada de febre e leucocitose. Pode ser desencadeada pela retirada rápida de corticosteroides, gravidez ou hipocalcemia.
- Impetigo Herpetiforme: É a variante da psoríase pustulosa generalizada que ocorre na gestação, cursando com febre e hipocalcemia.

Fonte: Imagem do site Danderm. Reproduzida com permissão
Psoríase Eritrodérmica
Forma grave definida pelo comprometimento de mais de 80% a 90% da superfície corporal. Frequentemente ocorre após terapias intempestivas (como retirada de corticoide) ou em pacientes com HIV. Pode levar a distúrbios hidroeletrolíticos, hipo/hipertermia e choque.

Fonte: Imagem do site Danderm. Reproduzida com permissão
Comorbidades e Avaliação de Gravidade
A psoríase é um estado de inflamação sistêmica crônica. Pacientes podem evoluir na “marcha psoriásica”, desenvolvendo obesidade, síndrome metabólica, NASH e doenças cardiovasculares. A associação com artrite é crucial e deve ser ativamente investigada.
A gravidade é avaliada pela “Regra dos 10”, que classifica a doença como moderada a grave se:
- PASI (Índice de Gravidade e Área da Psoríase) > 10.
- BSA (Superfície Corporal Afetada) > 10.
- DLQI (Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia) > 10.
Histopatologia
Os achados histopatológicos clássicos incluem:
- Paraceratose: Presença de núcleos na camada córnea.
- Hipo/Agranulose: Camada granulosa ausente ou diminuída.
- Acantose Regular: Alongamento dos cones interpapilares.
- Adelgaçamento epidérmico suprapapilar e capilares dilatados, que explicam o Sinal de Auspitz.
- Microabscesso de Munro: Acúmulo de neutrófilos na camada córnea.

Fonte: Imagem do Site didático de Anatomia Patológica da FCM-UNICAMP. Reproduzida com permissão.
Tratamento
O manejo da psoríase depende da gravidade e da forma clínica.
Tratamento Tópico
Indicado para formas leves. Inclui:
- Hidratação: Uso de emolientes, óleos e umectantes.
- Ceratolíticos: Ácido salicílico ou ureia para lesões muito espessas.
- Corticosteroides Tópicos: Principal agente anti-inflamatório.
- Calcipotriol: Análogo da vitamina D3 que diminui a proliferação dos queratinócitos.
Tratamento Sistêmico
Indicado quando há falha no tratamento tópico, acometimento de áreas nobres (ex: palmoplantar, couro cabeludo) ou pela “Regra dos 10” (PASI, BSA ou DLQI > 10).
- Opções clássicas: Metotrexato (MTX), Acitretina e Ciclosporina.
Terapias Biológicas
Indicadas em caso de falha, intolerância ou contraindicação aos tratamentos sistêmicos clássicos. Atuam bloqueando citocinas específicas da cascata inflamatória:
- Anti-TNF-alfa: Ex: Etanercept, Infliximabe, Adalimumabe.
- Anti-IL-12/23: Ex: Ustequinumabe.
- Inibidores da IL-17: Ex: Ixequizumabe, Secuquinumabe.
- Anti-IL-23: Ex: Guselcumabe, Rizanquizumabe.