Saiba a técnica correta da Ventilação Mecânica 

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A ventilação mecânica é uma intervenção crítica na UTI para tratar a falência respiratória. Um entendimento aprofundado de seus princípios, indicações e ajustes é fundamental para garantir o manejo adequado do paciente.

Quando é indicada a Intubação Orotraqueal (IOT)?

A decisão de entubar um paciente é baseada na sua incapacidade de manter a respiração de forma eficaz. As principais indicações incluem:

  • Depressão do drive respiratório: Causas comuns são intoxicação por opioides, lesões graves do sistema nervoso central (SNC) e anestesia geral.
  • Musculatura fraca: Frequentemente observada em doenças neuromusculares como Síndrome de Guillain-Barré, Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e crises miastênicas.
  • Excesso de carga: Ocorre quando a demanda respiratória é excessiva, levando à fadiga muscular. Exemplos incluem acidose metabólica severa, pneumonia, edema agudo de pulmão, pneumotórax e derrames pleurais volumosos.
  • Falha na proteção das vias aéreas: Relacionada principalmente ao rebaixamento do nível de consciência.

Nós já discutimos um pouco sobre a Intubação na pediatria, que possui casos mais específicos. Confira aqui

Ciclo e Curvas da Ventilação

O ciclo ventilatório é composto por quatro fases, visualizadas nas curvas do ventilador:

  1. Fase Inspiratória: Representa o componente positivo da curva, quando o ar entra nos pulmões. 
  2. Ciclagem:  A transição entre a fase inspiratória e a expiratória.
  3. Fase Expiratória: O componente negativo da curva, quando o ar é exalado.
  4. Disparo: A transição entre a fase expiratória e a inspiratória, que inicia o próximo ciclo.
A curva de fluxo é a única que apresenta uma porção positiva e uma negativa. Fonte: Acervo de Aulas do Grupo MedCof.

A Curva de Pressão mostra a pressão nas vias aéreas ao longo do tempo. Nunca atinge o valor zero, pois há uma pressão residual, a PEEP (Pressão Expiratória Final Positiva). É possível notar a deflexão negativa antes do disparo quando o paciente tenta iniciar o ciclo.

Curva de pressão das vias aéreas na ventilação mecânica, com pressão de pico, platô e componentes resistivos e elásticos
Curva de pressão. | Fonte: Acervo de ilustrações do Grupo MedCof.

A Curva de Volume apresenta apenas uma porção positiva. A curva começa e termina no zero, indicando que todo o volume de ar que entra nos pulmões é exalado.

Gráfico da curva de volume na ventilação mecânica, indicando variação do volume corrente durante inspiração e expiração.
Curva de Volume. | Fonte: Acervo de ilustrações do Grupo MedCof.

Quais modos ventilatórios existem?

Existem três modos ventilatórios principais, cada um com suas características de disparo, ciclagem, controle de pressão e volume.

Modos Assisto-Controlados

Nesses modos, tanto o paciente quanto o ventilador podem iniciar o ciclo. São utilizados em pacientes com sedação profunda ou ausência de drive respiratório. Os modos puramente controlados (só o ventilador dispara) não são mais usados devido à alta incidência de assincronias.

Fonte: Carvalho, C. R. R. de ., Toufen Junior, C., & Franca, S. A.. (2007). Ventilação mecânica: princípios, análise gráfica e modalidades ventilatórias.Jornal Brasileiro De Pneumologia, 33(J. bras. pneumol., 2007 33 suppl2), 54–70.
  • Ventilação Controlada a Volume (VCV): O disparo é feito pelo paciente ou ventilador; a ciclagem é gerada por volume; o volume corrente é o operador que determina; para o fluxo o operador escolhe a velocidade de entrada do ar (aumentar o fluxo reduz o tempo inspiratório, e diminuí-lo aumenta o tempo inspiratório); a pressão não é controlada diretamente, além de ser proporcional ao volume e deve ser monitorada para evitar barotrauma.
  • Ventilação Controlada a Pressão (PCV): O disparo é feito pelo paciente ou ventilador; a ciclagem, por tempo; o operador determina a pressão; o tempo inspiratório é definido pelo operador; o volume e fluxo não são determinados pelo operador e são proporcionais à pressão e ao tempo inspiratório. É essencial monitorar o volume para evitar volutrauma.

Modos Assistidos

Somente o paciente dispara o ciclo ventilatório. São especialmente úteis para o desmame da ventilação mecânica.

Fonte: Carvalho, C. R. R. de ., Toufen Junior, C., & Franca, S. A.. (2007). Ventilação mecânica: princípios, análise gráfica e modalidades ventilatórias.Jornal Brasileiro De Pneumologia, 33(J. bras. pneumol., 2007 33 suppl 2), 54–70 
  • Pressão de Suporte (PSV): O disparo é feito apenas pelo paciente; a ciclagem ocorre por percentual de fluxo inspirado; o operador determina a pressão de suporte acima da PEEP; o tempo inspiratório não é determinado diretamente, pois é baseado no percentual de fluxo.

Ajustes Iniciais e Correção de Gases

Após a IOT, os parâmetros iniciais de ventilação devem ser definidos e ajustados conforme a necessidade do paciente.

Configurações Iniciais:

  • Modo: PCV ou VCV. Não se deve utilizar modos assistidos inicialmente.
  • PEEP: 5~cmH2O.
  • FiO_2: 100\%.
  • Frequência Respiratória (FR): 8-20~irpm.
  • Volume Corrente (V_c): 6-8~mL/kg. Para pacientes com SARA, o volume corrente deve ser menor, 4-6~mL/kg.

Ajuste de Gases Sanguíneos:

  • Ajuste de PaO2: Aumentar a PEEP ou a FiO2. A elevação da PEEP recruta alvéolos colapsados, aumentando a área de troca gasosa.
  • Ajuste de PaCO2: Aumentar o volume minuto, que é o produto da FR pelo volume corrente (Vc x FR). Aumentar o volume minuto “lava” mais CO2.

Curvas do ventilador e a identificação de problemas e assincronias

Além de dominar os conceitos básicos, a ventilação mecânica avançada exige a capacidade de interpretar as curvas do ventilador para identificar problemas e assincronias. A análise gráfica é essencial para um manejo eficaz e para garantir a interação ideal entre o paciente e o ventilador.

O que eu preciso saber? 

A compreensão de alguns conceitos-chave é fundamental para a interpretação das curvas:

Resistência

É a dificuldade do ar para passar pelas vias aéreas. A fórmula para calculá-la é Resistência = (Ppico-Pplatô) ÷ Fluxo. É importante notar que o fluxo na fórmula deve ser em litros por segundo (L/s), mesmo que o ventilador exiba em litros por minuto (L/min).

Complacência

Reflete o quão “duro” está o pulmão. A complacência é calculada por Complacência = Volume corrente/ Pplatô-PEEP. A elastância é o inverso da complacência (Elastância= 1/complacência).

Pressão de Pico (Ppico)

A pressão máxima nas vias aéreas durante a inspiração. É a soma da PEEP, da pressão elástica e da pressão resistiva (PEEP + pressão elástica + pressão resistiva).

Pressão de Platô (Pplatô)

Pressão medida durante uma pausa inspiratória, quando não há fluxo de ar. Como não há fluxo, a pressão resistiva é zero, e a Pplatô depende apenas da PEEP e da pressão elástica.

O que é a Auto-PEEP?

A Auto-PEEP ocorre quando o tempo expiratório é insuficiente para que todo o ar exalado saia dos pulmões.

Fonte: Holanda MA, a , Vasconcelos RS, b , Ferreira JC, c , et al. Patient-ventilator asynchrony. J Bras Pneumol. 2018;44(4):321-333

A identificação é feita quando a curva de fluxo expiratório não retorna a zero antes do início da próxima inspiração. O manejo inclui tratar a causa base, como o uso de broncodilatadores. É possível também aumentar o tempo expiratório, diminuindo o tempo inspiratório, a frequência respiratória ou o volume corrente.

E como identificar assincronias Paciente-Ventilador?

As assincronias ocorrem quando o desejo do paciente não se alinha com a ação do ventilador. Existem três tipos principais de assincronias: de fluxo, de ciclagem e de disparo.

Assincronias de Fluxo

 O fluxo é insuficiente, ocorre no modo VCV, onde o fluxo é constante, mas o paciente tenta puxar mais ar. Isso causa uma deflexão negativa na curva de pressão, indicando “fome de ar“. A correção pode ser mudar para o modo PCV, que tem fluxo variável, ou aumentar o fluxo no modo VCV.

Fonte: Holanda MA, a , Vasconcelos RS, b , Ferreira JC, c , et al. Patient-ventilator asynchrony. J Bras Pneumol. 2018;44(4):321-333 

Fluxo Excessivo

A pressão nas vias aéreas sobe rapidamente no início da inspiração (overshoot de entrada). Para corrigir, deve-se aumentar o tempo de rampa ou reduzir o fluxo no modo VCV.

Fonte: Holanda MA, a , Vasconcelos RS, b , Ferreira JC, c , et al. Patient-ventilator asynchrony. J Bras Pneumol. 2018;44(4):321-333 

Assincronias de Ciclagem

  • Ciclagem Precoce: O ventilador encerra a inspiração antes que o paciente termine, o que se manifesta como uma pressão negativa na expiração, já que o paciente ainda queria inspirar. A correção é aumentar o tempo inspiratório.
  • Ciclagem Tardia: O ventilador continua a inspiração mesmo após o paciente ter tentado expirar. Isso é visível na curva de pressão como uma deflexão positiva (overshoot de saída). A solução é reduzir o tempo inspiratório.
Monitor multiparamétrico exibindo curvas de pressão, fluxo e volume em paciente sob ventilação mecânica.
Fotografia de tela de monitor mostrando as curvas ventilatórias de pressão, fluxo e volume em paciente intubado. Os parâmetros incluem frequência respiratória, volume corrente (Vt), PEEP e FiO2, fundamentais para acompanhamento da ventilação mecânica e ajustes clínicos.

Assincronias de Disparo

  • Duplo Disparo: O paciente faz um esforço inspiratório que dura mais que o tempo de inspiração do ventilador, levando a dois ciclos consecutivos. Isso indica que o tempo inspiratório do ventilador é menor do que o necessário para o paciente. A correção inclui aumentar o tempo inspiratório ou, se possível, o volume corrente em VCV.
  • Disparo Reverso: Acontece em pacientes em modo controlado e com sedação profunda. O ventilador dispara o primeiro ciclo e, por um reflexo, o paciente faz uma pressão negativa que gera um segundo ciclo. Isso resulta em empilhamento de volumes correntes. A correção é reduzir a sedação. A diferença para o duplo disparo é que, no disparo reverso, o paciente não inicia o primeiro ciclo.
  • Disparo Ineficaz: O paciente faz um esforço para inspirar (pressão negativa) que não é suficiente para disparar o ventilador. Isso pode ocorrer em pacientes com Auto-PEEP, onde a pressão negativa do paciente não atinge a sensibilidade do ventilador. O manejo envolve tratar a Auto-PEEP e/ou reduzir a sensibilidade do ventilador.
  • Autodisparo: O ventilador é ativado sem esforço do paciente, muitas vezes por reconhecer mudanças sutis, como batimentos cardíacos. A correção é aumentar o limiar de sensibilidade do ventilador.

Quais outras possíveis alterações nas curvas?

  • Excesso de Líquido: A curva de fluxo expiratório se apresenta serrilhada devido à interferência do líquido. A causa pode ser secreção excessiva do paciente ou acúmulo de líquido no circuito de umidificação. A correção é aspirar o tubo orotraqueal.
Fonte: Acervo De Aulas do Grupo MedCof.
  • Vazamento de Ar: O volume de ar que sai é menor do que o que entra, e a curva de volume não retorna a zero. Causas comuns incluem fístulas aéreas (em pneumotórax drenado), cuff do tubo desinsuflado, extubação parcial ou má conexão no circuito.

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