Urodinâmica e Disfunções Miccionais: o que é, para que serve e quando realizar

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A queixa de dificuldade para urinar é uma das mais prevalentes nos consultórios de urologia e ginecologia, escondendo um vasto leque de possíveis diagnósticos. Entender as disfunções do trato urinário inferior é fundamental para o médico residente.

LUTS: Sintomas do Trato Urinário Inferior

Os LUTS, ou Lower Urinary Tract Symptoms, englobam um conjunto de sintomas relacionados à função da bexiga e da uretra. Didaticamente, podemos dividi-los em dois grandes grupos:

Sintomas de Armazenamento

Geralmente associados a disfunções no músculo detrusor, a camada muscular da bexiga. Os pacientes podem relatar:

  • Aumento da frequência: necessidade de urinar mais vezes que o habitual. 
  • Urgência: desejo súbito e inadiável de urinar. 
  • Urgeincontinência: perda involuntária de urina precedida por urgência. 
  • Noctúria: necessidade de acordar à noite para urinar. 

Sintomas de Esvaziamento

Comumente relacionados a uma obstrução no trato urinário. As queixas incluem:

  • Hesitação: dificuldade em iniciar a micção. 
  • Esforço: necessidade de fazer força para conseguir urinar. 
  • Jato fraco: diminuição do calibre e da força do jato urinário. 
  • Intermitência: o jato de urina para e recomeça várias vezes.

Múltiplas Etiologias para um Conjunto de Sintomas

A investigação de LUTS é complexa pois diversas condições podem estar por trás dos mesmos sintomas. Entre as etiologias possíveis, destacam-se:

  • Hiperplasia Prostática Benigna (HPB); 
  • Síndrome da Bexiga Hiperativa; 
  • Poliúria Noturna; 
  • Detrusor Hipocontrátil; 
  • Bexiga Neurogênica; 
  • Infecção do Trato Urinário (ITU); 
  • Corpo Estranho; 
  • Prostatite; 
  • Estenose de Uretra; 
  • Tumores na Bexiga; 
  • Litíase Ureteral; 
  • Outras causas.
Fluxograma de possíveis causas da LUTS. Fonte: Acervo de aulas do grupo MedCof.

A Avaliação Diagnóstica: Da Anamnese ao Estudo Urodinâmico

A avaliação inicial de um paciente com LUTS é eminentemente clínica.

  • Avaliação Primária: Uma anamnese detalhada é essencial, investigando o padrão miccional, perdas urinárias associadas, antecedentes neurológicos e hábitos intestinais. O diário miccional também é uma ferramenta valiosa. 
  • Exame Físico: Deve-se avaliar o tônus esfincteriano (urinário e fecal) e o padrão de continência (retenção ou perdas). Em casos de lesão neurológica, é crucial avaliar o nível da lesão.

É nesse contexto de investigação que o Estudo Urodinâmico (UDN) se apresenta como uma ferramenta diagnóstica avançada e, por vezes, indispensável. Trata-se de um exame invasivo, indicado em casos selecionados para uma avaliação precisa da função do trato urinário inferior. 

Indicações do Estudo Urodinâmico

O UDN não é um exame de rotina. Suas principais indicações incluem:

  • HPB: Quando há suspeita de hipocontratilidade vesical, em próstatas pequenas ou quando o início dos sintomas é muito precoce ou tardio. 
  • Incontinência Urinária (IU): Em casos não clássicos ou quando há dúvida no relato dos sintomas. 
  • Bexiga Neurogênica (BN): Para seguimento a longo prazo, avaliação de mudanças no quadro clínico e planejamento cirúrgico. 

Fisiologia e Fases do Estudo Urodinâmico

O UDN busca replicar o ciclo miccional (enchimento e esvaziamento) para medir pressões e fluxos, permitindo uma análise funcional detalhada. Para isso, são utilizadas três sondas: uma para o enchimento da bexiga com soro fisiológico, uma para aferir a pressão vesical e uma sonda retal para medir a pressão abdominal. A pressão do músculo detrusor é calculada pela subtração da pressão abdominal da pressão vesical (Pdet​=Pves​−Pabd​). 

Representação das sondas usadas no UND. Fonte: Acervo de ilustrações do Grupo MedCof. 

O exame é dividido em fases:

  • Urofluxometria Livre: Fase não invasiva onde o paciente urina em um aparelho que mede o fluxo urinário ao longo do tempo. Um fluxo reduzido (menor que 10 ml/seg) pode sugerir obstrução infravesical ou hipoatividade do detrusor. Um fluxo acima de 15 ml/seg é considerado normal. 
Exemplos de urofluxometria. A e B: sinusoidais (normal). C: fluxo reduzido e tempo prolongado (HPB). D: fluxo intermitente (HPB). E: tempo de esvaziamento prolongado em platô (estenose de uretra). Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.
  • Fase Cistométrica (Enchimento): Com as sondas posicionadas, a bexiga é preenchida lentamente com soro (velocidade de 20-50 ml/min) para não induzir uma hiperatividade detrusora artificial.  Nesta fase, avalia-se:
    • Capacidade Cistométrica Máxima (CCM): o volume máximo que a bexiga comporta. 
    • Complacência: a capacidade da bexiga de armazenar urina a baixas pressões. Uma baixa complacência é comum na bexiga neurogênica. 
    • Hiperatividade Detrusora: contrações involuntárias do detrusor durante o enchimento, que podem causar perdas urinárias. 
    • Perdas aos Esforços: avaliadas pelo Valsalva Leak Point Pressure (VLPP), que mede a menor pressão abdominal que causa perda de urina. Pressões acima de 100 cmH₂O sugerem hipermobilidade uretral, enquanto pressões abaixo de 60 cmH₂O indicam algum grau de insuficiência esfincteriana. 
A pressão sob a qual o paciente perde urina traduz a hipótese diagnóstica.Perda acima de 100 cmH2O (hipermobilidade uretral). Perda abaixo de 60-40 cmH2O (algum grau de insuficiência esfincteriana).Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.
  • Fase Miccional (Esvaziamento): Ao atingir a CCM, o paciente é orientado a urinar, ainda com as sondas.  A relação entre a pressão do detrusor e o fluxo urinário permite o diagnóstico diferencial:
    • Altas pressões e baixo fluxo: Sugestivo de obstrução infravesical. 
    • Baixas pressões e baixo fluxo: Característico de hipocontratilidade do detrusor. 
    • Baixas pressões e alto fluxo: Padrão normal. 
Fluxo alto às custas de baixas pressões: normal. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.

Índices Urodinâmicos e Estudos Associados

Para objetivar os achados, foram desenvolvidos índices:

  • BOOI (Bladder Outlet Obstruction Index): Avalia a obstrução da saída da bexiga. A fórmula é:

BOOI=Pdet​Qmax​−2Qmax​. 

  • BOOI > 40: Obstruído 
  • BOOI 20-40: Equívoco 
  • BOOI < 20: Não obstruído 
  • BCI (Bladder Contractility Index): Mede a força de contração da bexiga. A fórmula é:

BCI=Pdet​Qmax​+5Qmax​. 

  • > 150: Forte 
  • 100-150: Normal 
  • < 100: Fraca 

Estudos adicionais podem ser associados ao UDN:

  • Eletromiografia (EMG): Avalia a atividade elétrica da musculatura do assoalho pélvico, útil na suspeita de dissinergia vesicoesfincteriana. 
  • Videourodinâmica: Combina o estudo funcional com imagens de radioscopia contrastada, permitindo a análise anatômica simultânea. É útil para identificar a topografia da obstrução, a presença de refluxo vesicoureteral e o grau de abertura do colo vesical.

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