Mastite: Sintomas, Tipos, Tratamento e Relação com o Câncer de Mama

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No mês de conscientização sobre o câncer de mama é fundamental que exploremos uma queixa que deve nos manter em alerta sobre a Saúde da Mulher: a mastite.

No mês de conscientização sobre o câncer de mama é fundamental que exploremos uma queixa que deve nos manter em alerta sobre a Saúde da Mulher: a mastite.

No mês de conscientização sobre o câncer de mama é fundamental que exploremos uma queixa que deve nos manter em alerta sobre a Saúde da Mulher: a mastite. 

O que é a mastite? 

 A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a mastite como uma condição inflamatória do tecido mamário, que pode ou não ser acompanhada por uma infecção.

Esta definição é fundamental, pois estabelece a mastite não como uma entidade única e infecciosa, mas como um espectro de condições patológicas que se inicia com um processo inflamatório.

O entendimento de que a inflamação frequentemente precede a infecção representa uma mudança de paradigma no manejo clínico, deslocando o foco de uma intervenção puramente antimicrobiana para uma abordagem mais holística, que prioriza o controle da inflamação e de seus fatores desencadeantes.

O processo patológico geralmente começa com uma inflamação estéril, resultante de eventos como a estase láctea, que leva à distensão dos alvéolos mamários e ao estreitamento dos ductos lactíferos.

Se essa condição inicial não for resolvida, ela cria um ambiente propício para a proliferação bacteriana, especialmente na presença de barreiras cutâneas comprometidas, como fissuras mamilares.

A partir deste ponto, o quadro pode evoluir para uma mastite bacteriana franca, com potencial para complicações graves, incluindo a formação de abscessos e, em casos extremos, sepse

Unidade funcional da mama feminina.

Unidade funcional da mama feminina. Fonte: Acervo de ilustrações do Grupo MedCof.

Quais os tipos de mastite?

A classificação clínica mais fundamental e pragmaticamente útil das mastites baseia-se na sua relação com o ciclo gravídico-puerperal.

Esta divisão inicial é o pilar que orienta todo o raciocínio diagnóstico e a estratégia terapêutica subsequente.

  1. Mastite Lactacional (Puerperal)

Esta é a forma mais prevalente de mastite, ocorrendo exclusivamente em mulheres durante o período de amamentação. Sua incidência é significativa, afetando entre 2% e 10% das lactantes, com algumas estimativas alcançando até 20%. Embora possa ocorrer a qualquer momento durante a lactação, inclusive no período de desmame, sua frequência é maior nos primeiros três meses após o parto, um período crítico de adaptação tanto para a mãe quanto para o lactente.

  1. Mastite Não Lactacional

Este termo engloba todos os processos inflamatórios do tecido mamário que ocorrem fora do contexto da gravidez e da amamentação. É uma condição consideravelmente menos comum, mas que impõe um desafio diagnóstico muito maior. A sua apresentação clínica, com dor, eritema e, por vezes, massa palpável, pode mimetizar de forma indistinguível quadros neoplásicos, especialmente o carcinoma inflamatório da mama. Este grupo inclui entidades patológicas distintas e com fisiopatologias próprias, como a mastite periductal e a mastite granulomatosa idiopática (MGI).

Representação de mamografia com mastite granulomatosa idiopática.

Epidemiologia e Fatores de Risco no Contexto Brasileiro

A mastite aguda puerperal é a forma mais comum de inflamação mamária, com uma prevalência no Brasil que varia entre 2% e 10% das lactantes, embora alguns estudos relatem taxas de até 20%. A análise da epidemiologia desta condição em nosso país revela que ela transcende uma simples complicação da amamentação, funcionando como um marcador de vulnerabilidade social e de falhas na rede de apoio à mulher. 

Os fatores de risco clínicos primários são a estase láctea e a presença de fissuras mamilares. A estase do leite (ou “leite empedrado”) pode ser desencadeada por uma miríade de fatores, incluindo técnica de amamentação inadequada (pega incorreta), mamadas com frequência ou duração insuficientes, uso de sutiãs apertados que comprimem os ductos, e condições anatômicas do lactente, como a anquiloglossia (freio lingual curto). Em contrapartida, a assistência qualificada no puerpério imediato demonstrou ser um poderoso fator de proteção. Um estudo realizado em Feira de Santana, Bahia, evidenciou que mulheres que deram à luz em hospitais credenciados pela Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) apresentaram uma prevalência significativamente menor de mastite (3,6%) em comparação com aquelas que pariram em instituições não credenciadas (5,3%). Este dado sublinha que a mastite é, em grande parte, uma condição prevenível através de educação e suporte qualificado.

Anquiloglossia como causa da mastite durante a amamentação.

Anquiloglossia como causa da mastite durante a amamentação. Fonte

Mastite por Infecção Bacteriana 

O perfil microbiológico da mastite puerperal é bem estabelecido, com um patógeno predominante. O Staphylococcus aureus é o agente etiológico mais comum, sendo isolado em mais de 50% a 60% dos casos com cultura positiva.

Outros microrganismos que podem estar envolvidos incluem o Staphylococcus epidermidis, espécies de Streptococcus (tanto hemolíticos quanto não hemolíticos) e, com menor frequência, bacilos Gram-negativos como a Escherichia coli.

A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) propõe uma classificação epidemiológica útil para a prática clínica, que divide a mastite puerperal em duas formas :

  • Forma Endêmica: É a mais comum, ocorrendo de forma esporádica na comunidade. Geralmente tem um início mais tardio, a partir da segunda semana pós-parto ou durante o desmame. É causada por cepas de S. aureus sensíveis a antibióticos comuns.
  • Forma Epidêmica: É menos frequente e está associada a surtos, geralmente em ambiente hospitalar. Caracteriza-se por um aparecimento precoce, por volta do quarto dia pós-parto, e é causada por cepas de S. aureus mais virulentas, frequentemente produtoras de penicilinase e resistentes a múltiplos antibióticos. Esta forma está muitas vezes associada a infecções de pele (piodermites) no recém-nascido, que funciona como vetor.

2.4. Apresentação Clínica e Diagnóstico

O diagnóstico da mastite aguda puerperal é eminentemente clínico, baseado na combinação de uma anamnese direcionada e um exame físico cuidadoso. Exames de imagem ou laboratoriais raramente são necessários na fase inicial.

A apresentação clínica é tipicamente marcada pela presença de sintomas locais e sistêmicos:

  • Sintomas Locais: A paciente relata dor mamária intensa, frequentemente descrita como em queimação ou pontada, acompanhada de sinais flogísticos clássicos em um segmento da mama (geralmente unilateral): eritema (vermelhidão), edema (inchaço), calor local e endurecimento do parênquima.
  • Sintomas Sistêmicos: O quadro é frequentemente acompanhado por um comprometimento sistêmico súbito e significativo, com febre alta (geralmente acima de 38°C), calafrios, mal-estar geral, cefaleia e mialgias, compondo um quadro clínico semelhante a uma síndrome gripal.

Ao exame físico, a palpação revela uma área localizada de endurecimento, com aumento da temperatura, dor e eritema sobrejacente.

É mandatório inspecionar cuidadosamente o complexo areolopapilar em busca de fissuras, que são importantes fatores de risco e portas de entrada para a infecção.

A palpação da axila ipsilateral pode revelar a presença de linfonodomegalia reacional dolorosa. Um sinal de alerta crucial durante o exame é a detecção de um ponto de flutuação, que sugere fortemente a evolução para a formação de um abscesso.

Como Tratar? 

O tratamento da mastite puerperal deve ser iniciado prontamente e se baseia em três pilares: medidas de suporte, esvaziamento mamário eficaz e, quando indicada, antibioticoterapia.

O pilar fundamental do tratamento é garantir o esvaziamento completo e frequente da mama afetada. A estase láctea é o motor da fisiopatologia, e sua resolução é crucial para a melhora do quadro.

A amamentação não só pode como deve ser mantida na mama acometida, pois a sucção do bebê é a forma mais eficaz de drenagem.

Caso a dor seja impeditiva, a paciente deve ser orientada a iniciar a mamada pela mama sadia e, após o reflexo de ejeção do leite, alternar para a mama doente.

A drenagem pode ser complementada com ordenha manual ou com bomba extratora após as mamadas. É um erro grave e um conceito ultrapassado indicar a suspensão da amamentação ou a inibição da lactação.

As medidas de suporte incluem repouso, aumento da ingestão hídrica, uso de analgésicos (paracetamol) e anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), como o ibuprofeno, que ajudam a controlar a dor e a resposta inflamatória.

O uso de compressas frias ou gelo sobre a área afetada após as mamadas é recomendado para reduzir o edema e a inflamação, em contraste com a antiga recomendação de compressas quentes, que podem piorar o edema.

A antibioticoterapia está indicada se os sintomas forem graves desde o início ou se não houver melhora clínica significativa após 12 a 24 horas de implementação das medidas de suporte e esvaziamento. A escolha do antibiótico deve, obrigatoriamente, ter cobertura para Staphylococcus aureus.

Tabela 1: Esquemas de Antibioticoterapia para Mastite Puerperal

CondiçãoAntibiótico de Primeira LinhaAlternativa (Alergia à Penicilina)DuraçãoFonte
Mastite Puerperal (Comunitária)Cefalexina 500 mg VO 6/6hClindamicina 300 mg VO 8/8h7 a 14 dias16
Dicloxacilina 500 mg VO 6/6hEritromicina 250 mg VO 6/6h (menos usada)7 a 10 dias16
Suspeita de MRSA (falha terapêutica, infecção hospitalar)Trimetoprim-Sulfametoxazol (considerar)Vancomicina IV (casos graves, hospitalares)Individualizar9

Mastites Não Lactacionais: Desafios Diagnósticos

3.1. Mastite Periductal (ou Ectasia Ductal Mamária)

A mastite periductal representa um processo inflamatório crônico e recorrente que afeta os ductos lactíferos terminais, localizados na região subareolar. Sua fisiopatologia é distinta da mastite puerperal.

Acredita-se que o evento primário seja uma alteração no epitélio ductal, especificamente uma metaplasia escamosa, que leva à produção de queratina e à consequente obstrução do lúmen do ducto. Esta alteração epitelial tem uma associação causal extremamente forte com o tabagismo.

As toxinas presentes na fumaça do cigarro parecem causar dano direto ao revestimento ductal, induzindo a metaplasia. Com o ducto obstruído, as secreções mamárias normais ficam estagnadas, levando à dilatação (ectasia) e, eventualmente, à ruptura da parede ductal com extravasamento do conteúdo para o estroma periductal.

Este material extravasado desencadeia uma intensa reação inflamatória química, que pode ser secundariamente colonizada por bactérias, frequentemente uma flora mista de aeróbios e anaeróbios da pele.

A epidemiologia reflete essa fisiopatologia: a condição acomete predominantemente mulheres jovens e de meia-idade, com uma prevalência marcadamente elevada entre fumantes. A apresentação clínica é característica e frequentemente recorrente.

A paciente tipicamente se queixa de dor na região periareolar, palpação de uma pequena massa ou empastamento subareolar, e pode apresentar inversão do mamilo, que, diferentemente da inversão congênita, é um sinal adquirido e agudo.

A descarga papilar, quando presente, é classicamente espessa, pastosa e multicolorida (variando de esverdeada a marrom). A evolução natural da doença é marcada por episódios de agudização, com formação de abscessos periareolares que podem drenar espontaneamente para a pele, criando fístulas crônicas na borda da aréola.

O manejo terapêutico é escalonado:

  • Na fase aguda: O tratamento consiste em antibioticoterapia de amplo espectro, com cobertura para bactérias aeróbias e anaeróbias, sendo a amoxicilina-clavulanato uma excelente opção de primeira linha. Se houver a formação de um abscesso, a drenagem é mandatória.
  • Prevenção de Recorrências: A medida isolada mais eficaz e indispensável para quebrar o ciclo de recorrências é a cessação completa do tabagismo.7
  • Tratamento Definitivo: Para pacientes com doença recorrente e formação de fístulas, o tratamento definitivo é cirúrgico. O procedimento, conhecido como cirurgia de Hadfield ou fistulectomia, consiste na excisão completa do ducto terminal doente, desde sua abertura no mamilo até sua porção terminal, incluindo todo o trajeto fistuloso e o tecido inflamatório adjacente.

3.2. Mastite Granulomatosa Idiopática (MGI): O Grande Simulador

A Mastite Granulomatosa Idiopática (MGI) é uma doença inflamatória crônica, rara e benigna, que representa um dos maiores desafios diagnósticos na mastologia. Sua etiologia permanece desconhecida (daí o termo “idiopática”), embora várias hipóteses tenham sido propostas.

A teoria mais aceita sugere uma reação inflamatória autoimune do tipo granulomatosa, centrada nos lóbulos mamários, possivelmente desencadeada pelo extravasamento de secreções lácteas para o estroma em mulheres predispostas.

Outra hipótese envolve uma resposta a microorganismos de baixa virulência, como espécies de Corynebacterium, que são frequentemente isoladas das lesões, embora seu papel como agente causal direto não esteja confirmado.

A doença afeta caracteristicamente mulheres em idade fértil, com uma associação frequente a uma gestação ou período de amamentação prévios, mesmo que ocorridos anos antes.

Na esquerda: Paciente 54 anos com MGI. Na direita: Paciente 32 anos com MGI.

Na esquerda: Paciente 54 anos com MGI. Na direita: Paciente 32 anos com MGI. Fonte.

A apresentação clínica da MGI é notória por sua capacidade de mimetizar o câncer de mama, tanto no exame físico quanto nos exames de imagem.

A paciente geralmente apresenta uma massa mamária endurecida, mal definida, dolorosa, que pode estar associada a alterações cutâneas como eritema, edema, retração da pele e formação de abscessos e trajetos fistulosos complexos que drenam para a pele.

Devido a essa sobreposição com o carcinoma, o diagnóstico da MGI é fundamentalmente um diagnóstico de exclusão. A realização de uma biópsia por agulha grossa (core biopsy) é absolutamente mandatória em todos os casos suspeitos.

O objetivo da biópsia é duplo: confirmar o diagnóstico histopatológico, que revela a presença de granulomas não caseosos centrados nos lóbulos com uma reação inflamatória mista, e, mais importante, excluir malignidade. Além disso, a biópsia permite a exclusão de outras causas de 

A Conexão com o Outubro Rosa: Quando a Inflamação Esconde uma Neoplasia

A campanha “Outubro Rosa” desempenha um papel vital na conscientização sobre o câncer de mama, com um foco tradicional na importância da mamografia de rastreamento e na detecção de nódulos palpáveis.

No entanto, é crucial que esta conscientização se estenda a formas de apresentação menos comuns, mas extremamente agressivas, da doença, como o Carcinoma Inflamatório da Mama (CIM).

A notável semelhança clínica entre uma mastite grave e o CIM é uma armadilha diagnóstica que pode ter consequências fatais.

O atraso no diagnóstico de um CIM, ao ser erroneamente tratado como uma simples infecção mamária, impacta drasticamente o prognóstico da paciente.

Portanto, a mensagem do Outubro Rosa deve incluir um alerta claro: qualquer quadro de “mastite”, especialmente em mulheres não lactantes, que não responde prontamente ao tratamento, deve ser investigado com alta suspeição para malignidade.