Obesidade Grau 1: causas, riscos e tratamento

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obesidade grau 1
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A obesidade, definida como uma doença crônica complexa, recidivante e multifatorial, representa o maior desafio de saúde pública do século XXI.

No Brasil, atingiu proporções epidêmicas, exigindo uma reavaliação urgente das estratégias de vigilância, diagnóstico e intervenção terapêutica.

Aqui vamos falar especificamente na Obesidade Grau 1 (Índice de Massa Corporal [IMC] entre 30,0 e 34,9 kg/m²).

Contextualização

A obesidade grau 1 representaum estágio crítico da doença que, embora frequentemente subestimado em comparação às formas mórbidas (Graus 2 e 3), constitui a maioria dos casos prevalentes e a principal janela de oportunidade para a prevenção de desfechos cardiovasculares catastróficos.


O cenário epidemiológico brasileiro atual é marcado por uma transição nutricional acelerada, onde a desnutrição cedeu lugar ao excesso de peso em uma velocidade superior à observada em países desenvolvidos.

Dados recentes indicam que o Brasil atravessa um momento de inflexão histórica: pela primeira vez, a prevalência de sobrepeso ultrapassou a de peso normal na população adulta das capitais, sinalizando uma mudança estrutural no perfil demográfico sanitário da nação.

Epidemiologia

A compreensão da magnitude da obesidade Grau 1 no Brasil exige uma análise que considere não apenas os números absolutos, mas a velocidade de crescimento e as disparidades regionais e sociodemográficas.

Tendências Temporais: O Avanço do Excesso de Peso (2006-2023)

A análise temporal evidencia que, a partir de 2012, a proporção de indivíduos com excesso de peso já superava a daqueles com peso normal. Contudo, os dados consolidados de 2023 pela FioCruz mostram que essa tendência se agravou, com o sobrepeso ultrapassando o peso normal de forma definitiva no agregado nacional. Esse fenômeno não é isolado; observa-se um padrão semelhante em todas as capitais, embora com velocidades variáveis, indicando que o ambiente obesogênico urbano no Brasil atingiu um nível de saturação onde as políticas de prevenção primária vigentes não têm sido capazes de conter a incidência de novos casos.

    A obesidade Grau 1, sendo o primeiro estágio clínico da doença, atua como o reservatório populacional que alimenta os estágios mais graves. O aumento da prevalência de obesidade total é impulsionado primariamente pelo crescimento deste grupo. 

    A epidemiologia da obesidade Grau 1 no Brasil não é democrática; ela afeta desproporcionalmente certos grupos populacionais, refletindo as complexas interações entre biologia e determinantes sociais de saúde.

    Gênero:

    Existe um dimorfismo sexual consistente na prevalência da obesidade. As mulheres apresentam taxas significativamente maiores de obesidade em comparação aos homens em praticamente todas as faixas etárias e regiões. Dados recentes da UFMG sugerem que, além de fatores hormonais e ambientais, componentes genéticos específicos da ancestralidade brasileira podem explicar parte dessa vulnerabilidade aumentada no sexo feminino.

    Raça e Renda:

    A PNS 2019 revelou nuances importantes na intersecção entre raça, renda e obesidade. Contrariando a noção de que a obesidade é exclusivamente uma doença da pobreza em países desenvolvidos ou da riqueza em países em desenvolvimento, o Brasil apresenta um cenário misto.

    Fisiopatologia 

    A compreensão científica da obesidade Grau 1 evoluiu radicalmente. Deixou-se de considerá-la apenas o resultado de um desequilíbrio termodinâmico (ingestão calórica versus gasto energético) para entendê-la como uma desregulação neuroimunoendócrina complexa. No Brasil, pesquisas de ponta têm elucidado mecanismos específicos que operam na nossa população.

    Genética e Ancestralidade: A Contribuição Brasileira

    Um dos avanços mais significativos na fisiopatologia da obesidade no Brasil vem dos estudos de genética de populações.  A população brasileira, caracterizada por um alto grau de miscigenação (tri-híbrida: europeia, africana e ameríndia), apresenta perfis de risco genético que não são capturados pelos grandes estudos de associação genômica (GWAS) realizados majoritariamente em populações caucasianas.

    Inflamação Crônica de Baixo Grau: O Motor das Comorbidades

    A transição do sobrepeso para a Obesidade Grau 1 é marcada por uma mudança qualitativa no tecido adiposo. O tecido adiposo visceral, em particular, deixa de ser apenas um depósito inerte de triglicerídeos e torna-se um órgão endócrino disfuncional e inflamado.

    O Processo de Remodelamento Adiposo:

    Quando a ingestão calórica excede a capacidade de expansão saudável do tecido adiposo (hiperplasia – aumento do número de células), ocorre a hipertrofia patológica dos adipócitos existentes. Essas células agigantadas sofrem compressão mecânica e hipóxia relativa, pois a angiogênese (formação de novos vasos) não acompanha o crescimento celular.

    A Resposta Imunometabólica:

    A hipóxia celular desencadeia sinais de estresse que recrutam células do sistema imune para o tecido adiposo, principalmente macrófagos.

    • Ocorre uma polarização dos macrófagos do fenótipo M2 (anti-inflamatório, reparador) para o fenótipo M1 (pró-inflamatório).
    • Os macrófagos M1, juntamente com os adipócitos estressados, passam a secretar uma tempestade de citocinas pró-inflamatórias, incluindo TNF-alfa, Interleucina-6 (IL-6) e Interleucina-1 beta (IL-1beta).
    • Simultaneamente, há uma redução na produção de adiponectina, um hormônio com potentes efeitos anti-inflamatórios e sensibilizadores de insulina.

    O Papel dos Alimentos Ultraprocessados e a Microbiota

    A pesquisa brasileira é pioneira mundial na identificação do papel dos alimentos ultraprocessados na gênese da obesidade, através da Classificação NOVA desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS/USP).

    Mecanismos de Ação:

    Os alimentos ultraprocessados (refrigerantes, snacks, biscoitos, pratos prontos) não são apenas vetores de calorias vazias; eles são formulados para serem hiperpalatáveis, quebrando os mecanismos naturais de saciedade.

    • Disbiose Intestinal: O consumo crônico desses alimentos, pobres em fibras e ricos em aditivos químicos, altera profundamente a composição da microbiota intestinal. Observa-se uma redução na diversidade bacteriana e uma alteração na razão Firmicutes/Bacteroidetes.
    • Extração de Energia e Endotoxemia: A microbiota alterada (disbiótica) torna-se mais eficiente na extração de energia da dieta (aumentando a absorção calórica) e aumenta a permeabilidade da barreira intestinal. Isso permite a translocação de lipopolissacarídeos (LPS) bacterianos para a circulação, um fenômeno conhecido como endotoxemia metabólica, que exacerba a inflamação sistêmica descrita anteriormente.

    Diagnóstico e Classificação

    O diagnóstico da obesidade no Brasil está passando por uma revolução conceitual. As diretrizes publicadas entre 2024 e 2025 pela ABESO, SBEM e SBD abandonaram a visão “imcocêntrica” (focada apenas no IMC) para adotar uma abordagem baseada no risco e na funcionalidade.

    Limitações do IMC e a Necessidade de Refinamento

    Embora o IMC (peso/altura²) continue sendo a ferramenta padrão para triagem populacional — definindo a Obesidade Grau 1 como o intervalo de 30,0 a 34,9 kg/m² — ele falha em distinguir massa magra de massa gorda e, crucialmente, não avalia a distribuição da gordura corporal.

    • Em populações miscigenadas como a brasileira, e especialmente em idosos (onde ocorre a obesidade sarcopênica), o IMC pode subestimar a gravidade da doença.
    • A nova diretriz enfatiza que o diagnóstico de “doença obesidade” deve considerar a presença de tecido adiposo disfuncional que causa prejuízo à saúde, independentemente do número exato do IMC.

    Antropometria Avançada: A Circunferência Abdominal

    A Circunferência Abdominal (CA) ou da cintura consolidou-se como um sinal vital na avaliação da obesidade. Ela é um proxy (indicador indireto) muito mais fiel da gordura visceral, que é o depósito de gordura metabolicamente ativo e perigoso.

    As diretrizes brasileiras vigentes reforçam pontos de corte étnico-específicos e de risco metabólico aumentado:

    • Homens: Risco aumentado acima de 94 cm.
    • Mulheres: Risco aumentado acima de 80 cm.

    Além da medida absoluta, a Relação Cintura-Estatura (RCE) ganhou destaque. A recomendação geral é manter a cintura menor que a metade da altura (relação < 0,5). Estudos indicam que, para indivíduos com Obesidade Grau 1, a RCE é um preditor de mortalidade cardiovascular superior ao IMC isolado, devendo ser registrada em todas as consultas na atenção primária.

    Estratificação de Risco Cardiovascular: O Escore PREVENT

    A grande inovação da Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) de 2025 para o manejo da obesidade é a incorporação do Escore PREVENT. Desenvolvido originalmente pela American Heart Association, este escore foi validado e recomendado para uso no Brasil para refinar a decisão terapêutica.

    Como funciona na Obesidade Grau 1:

    O escore PREVENT calcula o risco de eventos cardiovasculares (infarto, AVC, insuficiência cardíaca) em 10 e 30 anos. Diferente de calculadoras antigas, ele incorpora a função renal e fatores metabólicos específicos.

    • A diretriz estabelece que pacientes com Obesidade Grau 1 (IMC < 40 kg/m²) em prevenção primária (sem doença cardíaca prévia) que apresentem um risco PREVENT estimado entre 5% e <20% (risco intermediário a alto) devem ser alvos prioritários para intensificação do tratamento, incluindo farmacoterapia potente.
    • Isso significa que um paciente com Obesidade Grau 1 e risco elevado não deve ser tratado apenas com “dieta e exercício”; a estratificação de risco justifica o uso precoce de medicações para prevenir o evento cardiovascular.

    Tratamento e Manejo Clínico

    O tratamento da Obesidade Grau 1 no Brasil em 2024-2025 caracteriza-se por uma dualidade extrema: vivemos a “era de ouro” da farmacologia da obesidade no setor privado, simultaneamente a um período de estagnação tecnológica no sistema público.

    Tratamento Farmacológico no Setor Privado

    A aprovação e comercialização de novas classes de medicamentos revolucionaram o manejo da obesidade Grau 1, aproximando os resultados clínicos daqueles obtidos com a cirurgia bariátrica, mas com menor invasividade.

    Agonistas do Receptor de GLP-1 (Semaglutida):

    A Semaglutida (comercializada como Wegovy para obesidade e Ozempic para diabetes/off-label) consolidou-se como o padrão ouro de tratamento até 2024.

    • Eficácia: Promove perdas de peso médias de 15-17%.
    • Acesso: Em novembro de 2025, observou-se uma movimentação de mercado com redução de preços pela fabricante, visando ampliar o acesso frente à chegada de concorrentes. O custo mensal, contudo, ainda orbita a faixa de R$ 1.000,00 a R$ 1.500,00, restringindo-se às classes média e alta.

    Agonistas Duplos GLP-1/GIP (Tirzepatida):

    A grande novidade para 2025 é a Tirzepatida (Mounjaro). Esta molécula atua em dois receptores hormonais (GIP e GLP-1), potencializando a saciedade e o gasto energético.

    • Eficácia: Estudos mostram reduções de peso superiores a 20%, inéditas para farmacoterapia.
    • Disponibilidade: A comercialização no Brasil foi aprovada pela ANVISA, com chegada às farmácias prevista e precificação definida. O teto de preço para o tratamento mensal foi fixado em R$ 3.627,82 (dose máxima), embora variações de mercado possam ocorrer. Este custo posiciona a Tirzepatida como uma terapia de elite, inacessível para a vasta maioria da população sem subsídio.

    Diretrizes de Uso (ABESO/SBEM 2024):

    As sociedades médicas reforçam que o tratamento medicamentoso deve ser encarado como crônico. A obesidade não tem “cura”, tem controle. A interrupção da medicação leva, invariavelmente, ao reganho de peso (efeito rebote) devido a adaptações metabólicas do organismo que tentam recuperar a reserva de energia perdida. A meta terapêutica mínima é de 5% de perda de peso para benefícios metabólicos, mas busca-se >10% para impacto significativo em comorbidades.