Síndromes Coronarianas Agudas (SCA): Descubra como elas aparecem no ECG

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As Síndromes Coronarianas Agudas (SCA) representam um espectro de condições clínicas resultantes da isquemia miocárdica aguda. O domínio de sua apresentação clínica e, fundamentalmente, das alterações no eletrocardiograma (ECG) é crucial na prática da emergência cardiológica.

Conceitos Fundamentais da Lesão Miocárdica e o ECG

Nós já discutimos um pouco das novas diretrizes da Síndrome Coronariana Aguda. Mas precisamos também entender como a cascata da isquemia miocárdica pode ser entendida no eletrocardiograma, que revela seus três estágios evolutivos:

  1. Isquemia: É a fase de alteração da Onda T, considerada reversível.
  2. Lesão (ou Injúria): Caracteriza-se pela alteração do segmento ST, que ainda é reversível, mas indica que a necrose está próxima de ocorrer.
  3. Necrose: Marcada pela alteração do complexo QRS (Onda Q patológica) e é considerada irreversível.

Isquemia Miocárdica no ECG

A isquemia se manifesta primariamente pela alteração da Onda T. A localização da isquemia (subendocárdica ou subepicárdica/transmural) determina a morfologia da Onda T no ECG.

Isquemia Subepicárdica ou Transmural

  • Definição: A isquemia subepicárdica e transmural são frequentemente vistas em conjunto no ECG, sendo difícil distingui-las. Devido à vascularização coronariana vir do epicárdio para o endocárdio, é incomum uma isquemia limitada ao epicárdio, tornando-a geralmente transmural.
  • Achados no ECG:
    • Onda T negativa (invertida).
    • Onda T simétrica.
    • Onda T pontiaguda (apiculada).
No V2-V5 apresentam onda T invertida, simétrica e pontiaguda. Fonte: https://www.cardio-fr.com/en/p/ecgs/076/ 

Isquemia Subendocárdica

  • Achados no ECG:
    • Onda T positiva (ampla).
    • Onda T simétrica.
    • Onda T pontiaguda (apiculada).
Onda T pontiaguda, simétrica e ampla (positiva). Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.
V2-V5 apresentam onda T mais positivas e apiculadas. Fonte: https://emergencymedicinecases.com/hyperacute-t-waves-occlusion-mi/ 

Lesão Miocárdica no ECG

A lesão miocárdica é refletida pelas alterações do segmento ST.

Lesão Subepicárdica ou Transmural

  • Sinônimo Clínico: Síndrome Coronariana Aguda com Supradesnivelamento do Segmento ST (SCAcST) ou Infarto com Supra de ST.
  • Achados no ECG:Supradesnivelamento do Segmento ST (Supra do ST).
    • O Supra do ST deve ser medido a partir do ponto J (transição do QRS para o ST).
    • Critério Geral: Elevação 1 mm em duas derivações contíguas.
    • Critérios Específicos em V2 e V3:
      • >2 mm em homens >40 anos.
      • >2,5 mm em homens <40 anos.
      • >1,5 mm em mulheres.
D2, D3 e aVF (derivações contíguas da parede inferior) apresentando supra de ST. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.
  • Importância: A Lesão Subepicárdica/Transmural (Supra de ST) permite a localização precisa da área lesada.

Lesão ou Injúria Subendocárdica

  • Sinônimo Clínico: Síndrome Coronariana Aguda sem Supradesnivelamento do Segmento ST (SCAsST).
  • Achados no ECG:Infradesnivelamento do Segmento ST (Infra do ST).
    • Critério (SBC): Infra de ST >0,5 mm.
    • Outras Referências: Mencionam Infra de ST 1,00 mm.
    • Limitação: Na presença de Infra de ST, a localização exata da lesão não pode ser determinada com precisão.
Não há supra em derivações contíguas, porém há infra ST. Nesse caso, é uma SCA sem supra de ST. Fonte: https://www.intechopen.com/chapters/61346 

Necrose Miocárdica no ECG

A necrose, que é a morte celular irreversível, é detectada pela presença da Onda Q patológica.

  • Fisiopatologia: A área necrosada torna-se eletricamente inativa, embora ainda conduza potenciais. Os eletrodos posicionados em frente a essa área inativa registram ondas negativas correspondentes aos potenciais elétricos da parede oposta (Teoria da Janela).
  • Critério de Patologicidade: Para ser considerada patológica, a Onda Q deve ter profundidade (amplitude) e duração específicas:
    • Duração: , ≥ 0,03 ms (aproximadamente 1 quadradinho pequeno).
    • Amplitude: 0,1 mV (aproximadamente 1 quadradinho pequeno de profundidade).
Em D3 vemos um QRS correspondente a uma área inativa eletricamente. Fonte: https://litfl.com/wp-content/uploads/2018/08/Inferior-Q-waves-with-STEMI.jpg 

Diagnóstico Topográfico das Síndromes Coronarianas

A localização da área acometida é identificada pelo ECG com base nas derivações que apresentam as alterações de lesão (Supra ou Infra de ST) ou necrose (Onda Q).

Parede MiocárdicaDerivações do ECGArtéria Relacionada (Mais Comum)
InferiorD2, D3, aVFArtéria Coronária Direita (CD)
AnteriorV1 – V4Artéria Descendente Anterior (DA) ou Tronco da Coronária Esquerda (TCE)
Lateral (Baixa)V5 – V6Artéria Circunflexa (Cx) (junto com D1, aVL)
Lateral (Alta)D1, aVLArtéria Circunflexa (Cx)
Anterior ExtensaV1 – V6, D1, aVLOclusão de Descendente Anterior (DA) ou Tronco da Coronária
Direitas (Ventrículo Direito)V3R – V4R
Posterior/DorsalV7 – V8
Observação: O infarto da região inferior (D2, D3, aVF) pode envolver o ventrículo direito e/ou o esquerdo. O acometimento do ventrículo direito é diferenciado pelas derivações V2R-V4R, enquanto o envolvimento da parede “posterior/dorsal” do ventrículo esquerdo é visto em V7-V8.
Figura simplificada sobre como o EGC “enxerga” o músculo cardíaco. O cilindro é uma representação do ventrículo esquerdo. Parede lateral alta (aVL e D1), parede lateral baixa (V5 e V6), parede anterior (V1-V4) e parede inferior (D2, D3 e aVF). Na parede posterior (não vista na imagem) é representada por V7 e V8. Também há as derivações do ventrículo direito (V3R e V4R), não vistas na imagem. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.

Diagnóstico Evolutivo (Estágios do Infarto)

O infarto agudo do miocárdio (IAM) evolui em fases, com alterações eletrocardiográficas características:

EstágioTempoAchado no ECGAlterações Chave
HiperagudaPoucos minutos1Onda T hiperaguda (isquemia)
AgudaAté 6 horas2Elevação do ST (Supra), Onda R ampla, Onda Q pequena. Ainda sem perda significativa de músculo.
Subaguda> 6 horas3ST elevado diminuindo, Onda T invertida. Perda de Onda R, Surgimento de Onda Q patológica.
Crônica (Dias)Dias4Normalização do ST. Onda T negativa. Onda Q patológica.
Crônica (Semanas/Meses)Semanas a meses5Perda do R. Normalização da Onda T (pode ou não ocorrer). Onda Q persistente.

Imagem em Espelho (Imagem Recíproca)

A Imagem em Espelho refere-se a alterações eletrocardiográficas em um mesmo traçado com morfologia inversa, que representam um único evento isquêmico.

  • Mecanismo: Ocorre em paredes miocárdicas aproximadamente opostas. Por exemplo, um Supra de ST em uma parede gera um Infra de ST na parede oposta, ou vice-versa.
  • Pares Comuns:
    • Anterior (V1-V4) x “Posterior” (V7-V8).
    • Anterior (V1-V4) x Infero-“Dorsal” (D2-D3-aVF V7-V8).
    • Anterolateral (D1-aVL V5-V6) x Inferior (D2 D3 aVF).
  • Exemplo Clínico: Infra de ST na parede lateral (D1, aVL, V5, V6) com Supra de ST na parede inferior (D2, D3, aVF) sugere Infarto Inferior com imagem em espelho lateral.
Infra na parede lateral + supra da parede inferior (espelho). Fonte: https://litfl.com/wp-content/uploads/2018/08/ECG-Right-ventricular-infarction-1.jpg 

Padrões Específicos e de Risco

Alguns achados eletrocardiográficos indicam alto risco ou localizações específicas de lesões arteriais.

Bloqueio de Ramo Esquerdo (BRE) Novo

  • O BRE de surgimento recente em um paciente com sintomas de SCA é considerado equivalente a um infarto com Supra de ST (SCAcST).
  • É considerado “novo” se houver um ECG anterior sem a alteração.
  • Critérios de Sgarbossa (Modificados): Usados para diagnosticar SCAcST na presença de BRE pré-existente (pouco sensível, mas específico):
    • Elevação do ST ≥1,0 mm em concordância com o QRS/T (5 pontos).
    • Depressão do ST  ≥1,0 mm em V1, V2 e V3 (3 pontos).
    • Elevação do ST ≥5,0 mm em discordância com o QRS/T (2 pontos).
    • A presença de apenas 1 dos 3 achados no Sgarbossa modificado é suficiente para considerar SCA com Supra de ST.
Padrão de bloqueio do ramo esquerdo. Fonte: https://litfl.com/wp-content/uploads/2018/08/Sgarbossa-modified-Inferior-STEMI-CHB.jpg 

Padrões de Risco – Supra de aVR e Infra Difuso

  • Achado: Supradesnivelamento do segmento ST em aVR associado a infradesnivelamento difuso do ST.
  • Sugestão Clínica: Indica lesão grave e proximal, como oclusão do Tronco da Coronária Esquerda (TCE) ou da Artéria Descendente Anterior (DA) proximal.
Supra aVR + infra difuso. https://ecg.bidmc.harvard.edu/maven/mavenmain.asp 

Padrões de Wellens (Tipo 1 e Tipo 2)

  • São padrões de Onda T na parede anterior que, em um cenário clínico compatível com SCA (geralmente assintomático ou com dor resolvida), sugerem lesão suboclusiva de Artéria Descendente Anterior (DA) proximal.
    • Wellens Tipo 1 (Plus-Minus Anterior): Onda T com porção inicial positiva e final negativa (bifásica) na parede anterior (principalmente V1-V3).
    • Wellens Tipo 2: Onda T invertida, simétrica e pontiaguda na parede anterior (V1-V6).
Padrão de Wellens. Fonte: https://litfl.com/wp-content/uploads/2018/08/Wellens-Syndrome-Type-A-Pattern-.jpg 

Padrão de De Winter

  • Achado: Infradesnivelamento do ST de morfologia ascendente que se conecta a uma onda T pontiaguda, simétrica e positiva.
  • Sugestão Clínica: Indica um quadro superagudo de oclusão coronariana (equivalente a SCAcST).
Padrão de Winter. Fonte: https://litfl.com/wp-content/uploads/2018/08/ECG-de-Winter-waves-proximal-LAD-occlusion.jpeg 

Conduta Terapêutica

Trombólise na SCAcST

A trombólise é uma opção de reperfusão na SCAcST (Infarto com Supra).

  • Indicação: Pacientes com sintomas há até 12 horas.
  • Tempo Ideal: Idealmente em até 10 minutos após o diagnóstico.
  • Opções de Fibrinolíticos: Tenecteplase, Alteplase, Estreptoquinase.
  • Critérios de Sucesso da Trombólise:
    • Queda do Supra de ST a > 50%.
    • Melhora da dor.
    • Ritmos de reperfusão.
    • Pico precoce de enzimas.
  • Conversão do Infarto: O Infarto com Supra de ST, após a trombólise bem-sucedida, torna-se um infarto sem supra de ST.
  • Estratégia Porta-Agulha: Se a transferência do paciente com SCAcST demorar mais que 2 horas, a trombólise deve ser considerada (tempo porta-agulha  < 30 min min), visando a diminuição da dor e a redução do Supra de ST para  < 50% do valor de admissão em até 2 horas.

Ritmos de Reperfusão

  • Ritmo Idioventricular Acelerado (RIVA): É um dos ritmos que indicam trombólise efetiva.
  • Características: Assemelha-se à Taquicardia Ventricular (TV), mas com Frequência Cardíaca (FC) entre 50-100 bpm.

Arritmias Ventriculares na SCA

  • Taquicardia Ventricular Monomórfica (TVM): Deve ser diferenciada da SCA, apesar de poder ser um achado concomitante.
    • Achados no ECG: Ritmo cardíaco regular, ausência de onda P ou dissociação, QRS S > 0,12 segundos, FC  > 100 bpm (geralmente 130-200  bpm).
    • Complexos: Presença de Fusão (QRS anômalo sobre QRS normal) e Captura (QRS normal no meio da TV).

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