Tudo que você precisa saber sobre Febre Reumática

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O que é a febre reumática?

A febre reumática (FR) é uma doença inflamatória sistêmica aguda, que ocorre como sequela da faringoamigdalite causada pelo Streptococcus beta hemolítico do grupo A, acometendo articulações, coração, pele, tecido subcutâneo e sistema nervoso central. As lesões são transitórias, exceto no coração, onde as sequelas são irreversíveis.

Epidemiologia

A Febre Reumática é uma doença endêmica no Brasil, sendo associada a aglomerações populacionais de baixo nível socioeconômico, com maior prevalência entre 5 e 15 anos de idade. São considerados fatores de risco para o desenvolvimento da doença:

  • História prévia de FR (50% de chance de recidiva).
  • Altos títulos de anticorpos contra exoenzimas etreptocócicas (ex: ASLO). 
  • Processo infeccioso intenso.

A história prévia tem grande importância já que 75% dos pacientes não tratados com profilaxia secundária vão ter recidiva ao longo da vida (mais frequente nos primeiros 5 anos).

Patogênese da Febre Reumática

A via faríngea de infecção é necessária para o desenvolvimento da FR, que é uma reação autoimune que desencadeia inflamação não supurativa em alguns tecidos. Isso ocorre pois existe semelhança química e estrutural entre os componentes do SBHA e dos tecidos humanos, em especial o cardíaco, fazendo com que os anticorpos voltados aos estreptocócicos ajam nesses tecidos por reação cruzada. Chamamos isso de mimetismo molecular.

Como é o quadro clínico da Febre Reumática?

O período de latência até o desenvolvimento da FR dura, em média, 2 a 4 semanas. Devemos suspeitar de FR em todo paciente entre 5 e 15 anos de idade com febre, sintomas constitucionais e poliartrite migratória.

A ausência de história de faringoamigdalite recente não é suficiente para descartar diagnóstico de FR. Entretanto, 1/3 dos pacientes podem não ter esse histórico.

Vamos relembrar os sintomas comuns na FR e que podem ser usados para auxiliar no diagnóstico.

  1. ARTRITE
  • Presente em até 80% dos casos.
  • Poliarticular, assimétrica e migratória.
  • Dura até 5 dias em cada articulação e, mesmo sem tratamento, melhora com 2 a 4 semanas.
  • Edema, rubor, calor e dor desproporcional aos achados do exame físico.
  • Preferência por grandes articulações de extremidades (tornozelos, joelhos, punhos e cotovelos).
Artrite reumatoide. Fonte: Sociedade brasileira de Medicina Tropical. https://sbmt.org.br/artigo-demonstra-similaridades-entre-artrite-reumatoide-e-artrite-cronica-chikungunya/ 

É válido lembrar que pacientes com artrite muito intensa apresentam menor chance de desenvolver cardite grave.

  1. CARDITE
  • Presente em até 60% dos casos.
  • Inicialmente branda e até subclínica.
  • Taquicardia e valvulite.
  • Alterações no ECG:
  • Alargamento de PR.
  • BAV de 1º grau.
Bloqueio atrioventricular 1° grau. Fonte: https://pin.it/7M29E8Evh 

O histopatológico, nesse caso,  pode mostrar lesão patognomônica =nódulo de Aschoff.

  1. ERITEMA MARGINADO
  • Raro — presente em cerca de 1% dos casos.
  • Rash eritematoso maculopapular.
  • Ausência de dor ou prurido.
  • Acomete troncos e regiões proximais, poupando face.
  • Pode ser breve, durando minutos a horas, ou até semanas/meses, podendo durar até depois do fim da atividade reumática.
  • Não costuma deixar cicatrizes.
  • Responde bem a anti-inflamatórios.
(Fonte: Google imagens).

Esse achado não é patognomônico de FR, podendo ser encontrado em casos de sepse, farmacodermias e outros.

  1. NÓDULOS SUBCUTÂNEOS
  • Raro — presente em < 1% dos casos.
  • Nódulos firmes, indolores, de até 2cm, solitários ou numerosos.
  • Sem sinais flogísticos.
  • Comum em superfícies extensoras, sobre tendões ou proeminências ósseas.
  • Podem persistir por até 1 mês.

Esse sintoma é geralmente associado à cardite = sinal de gravidade.

  1. COREIA DE SYDENHAM
  • Ocorre em até 20% dos casos e cerca de 1 a 6 meses após a FR aguda.
  • Causada pela ligação de autoanticorpos aos neurônios dos gânglios da base.
  • Distúrbio motor involuntário (extrapiramidal). Costuma começar em mãos, evoluir para pés e, posteriormente, face.
  • Pode estar associada à disartria e movimentos involuntários da língua.
  • Sintomas desaparecem em repouso, sono ou sedação.
  • Autolimitada — dura até 4 meses de quadro ativo ou 2 anos de quadro flutuante.

Diagnóstico da Febre Reumática

Critérios Diagnósticos 

Nomeados de critérios de Jones, estes são divididos em maiores ou menores conforme  especificidade com a doença. Eles somente são avaliados e condição de evidência de infecção recente por estreptococo.

Maiores CritériosMenores Critérios 
Artrites – Poliartrite migratória*Artralgia (em populações de moderado ou alto risco)
Cardite e Pancardite (maior morbidade)Febre ≥ 38.5 °C 
Valvulite (insuficiência mitral ou estenose mitral)Aumento dos níveis de PCR/VHS 
Coréia de Sydenham (estabelece diagnóstico separadamente)Aumento do intervalo PR
Eritema marginado 

*principal manifestação, além de motivar outros sintomas maiores. 

Para estabelecer o diagnóstico, devemos identificar pelo menos: 

  • 2 critérios maiores.
  • 1 critério maior + 2 critérios menores (com evidência do estreptococos).

**LEMBRE-SE:** Coreia ou cardite indolente (visualizada por ECOTT) sozinhos são suficientes para diagnóstico!

 Artrite na Febre Reumática vs. Artrite Reativa Pós-Estreptocócica

ARTRITE NA FEBRE REUMÁTICAARTRITE REATIVA PÓS-ESTREPTOCÓCICA
Causada pelo SBHACausada por qualquer estreptococo
Reação autoimune multissistêmicaReação restrita ao sistema articular
PoliarticularPoliarticular
Assimétrica e migratóriaSimétrica
Grandes articulações periféricasPequenas articulações periféricas
Boa resposta aos salicilatosPouca resposta aos salicilatos
Dor desproporcional ao exame físicoDor dentro do esperado
Pode estar associada a carditeAusência de cardite
Acomete principalmente crianças e adolescentes (5-15 anos)Pode acometer qualquer faixa etária
Presença de outros sinais da FR (nódulos subcutâneos, eritema marginado, coreia de Sydenham)Geralmente sem outras manifestações sistêmicas
História prévia de infecção faríngea por SBHAPode seguir infecções de outras localizações (pele, por exemplo) 
Período de latência de 2 a 4 semanas após infecçãoPeríodo de latência pode variar, mas geralmente é mais curto

Como é o tratamento da Febre Reumática?

O tratamento da FR consiste em controle da inflamação + erradicação do S. pyogenes da orofaringe*

  • ERRADICAÇÃO DO ESTREPTOCOCO
  • Objetivo: impedir a transmissão e evitar recidivas.
  • Realizar em todos os pacientes sintomáticos — não é necessário aguardar a cultura.
  • Devemos iniciar o tratamento em até 9 dias do início dos sintomas.
  • Não muda o curso da doença aguda, nem diminui o risco de endocardite.
  • Penicilina G benzatina IM dose única (> 20kg: 1.200.000 UI e ≤ 20kg: 600.000 UI) 

– Outras opções:

    – Amoxicilina 30-50mg/kd/dia VO 8/8h ou 12/12h por 10 dias.

    – Adulto — 500mg 8/8h por 10 dias.

    – Ampicilina 100mg/kg/dia VO 8/8h por 10 dias.

  • TRATAMENTO DOS SINTOMAS
  1. ARTRITE 

AAS 100mg/kg/dia — se melhora, reduzir para 60mg/kg/dia após 2 semanas e manter por 4 semanas OU naproxeno 10-20mg/kg/dia 12/12h. 

  1. CARDITE MODERADA/GRAVE 

Prednisona 1-2mg/kg/dia VO (máx 90mg/d) por 2-3 semanas (redução de 5mg/semana com tempo total — 12 semanas).

  1. COREIA | LEVE/MOD: Repouso
  1. COREIA GRAVE 

 haloperidol 1mg/dia 12/12h (aumentar 0,5mg a cada 3 dias até o máx de 5mg/dia ou resposta adequada por 3 meses).

Profilaxia secundária

Ela é iniciada imediatamente após o fim da profilaxia primária, durando 5 anos devido ao maior risco de recorrência nesse período. Podemos usar: 

  • Penicilina G benzatina IM a cada 21 dias.
  • > 20kg: 1.200.000 UI
  • ≤ 20kg: 600.000 UI

 Deve ser aplicada em em condições sem cardite e em pacientes até 21 anos OU até 5 anos após o último surto; cardite sem lesão residual ou IM leve em até 25 anos OU até 10 anos após o último surto; cardite com lesão residual moderada/grave até os 40 anos OU por toda a vida; pós cirurgia valvar por toda a vida.

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