Além da Hipótese Monoaminérgica: uma revisão estratégica dos antidepressivos

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A seleção de antidepressivos é uma decisão clínica complexa, guiada pela estrutura química e, principalmente, pelo mecanismo de ação de cada fármaco. Embora diversos agentes apresentem eficácia semelhante para a maioria dos pacientes, a escolha terapêutica é refinada com base nos perfis de efeitos adversos e interações medicamentosas.

Quais pacientes precisam de antidepressivos? 

A terapêutica baseia-se na hipótese monoaminérgica, que postula uma disfunção na neurotransmissão em estados depressivos. Clinicamente, os sintomas podem ser agrupados para orientar a escolha do fármaco:

Cérebro normal. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof. 
Cérebro com depressão. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof. 
  1. Redução do Afeto Positivo: Manifesta-se como humor deprimido, perda de interesse/prazer, perda de energia e diminuição da autoconfiança. Esta dimensão está associada à disfunção das vias de dopamina (DA) e/ou noradrenalina (NA).
  2. Aumento do Afeto Negativo: Inclui sintomas como culpa, aversão, medo, ansiedade, hostilidade e irritabilidade. Esta dimensão está ligada à disfunção das vias de noradrenalina (NA) e/ou serotonina (5HT).
Seleção de tratamento baseado em sintomas: afetos positivo e negativo. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof. 

Principais Classes de Antidepressivos e Mecanismos de Ação

1. ISRS (Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina)

  • Mecanismo de Ação: Inibem seletivamente a recaptação de serotonina (SERT).
Mecanismo farmacológico dos Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof. 
  • Fármacos: Fluoxetina, Sertralina, Citalopram, Escitalopram, Paroxetina e Fluvoxamina.
  • Características Gerais:
    • Apresentam ampla janela terapêutica e baixo perfil de efeitos colaterais.
    • O início de ação terapêutica ocorre entre 2 a 6 semanas.
    • Podem agravar sintomas ansiosos no início do tratamento.
    • A interrupção súbita, especialmente de fármacos de meia-vida curta (ex: Paroxetina), pode induzir a Síndrome de Descontinuação.
  • Perfil dos Fármacos:
    • Fluoxetina: Possui a meia-vida mais longa entre os ISRS. É mais ativadora e estimulante, podendo causar insônia e diminuição do apetite. Deve ser evitada em idosos.
    • Sertralina: Considerada um dos ISRS preferenciais para uso na gestação e lactação, sendo também segura em idosos.
    • Citalopram: É o ISRS com maior efeito cardiológico, associado ao prolongamento do intervalo QTc.
    • Escitalopram: É o fármaco da classe mais bem tolerado, com menores taxas de interações medicamentosas via CYP450. É preferível para uso em idosos.
    • Paroxetina: Apresenta ação anticolinérgica muscarínica, conferindo efeito sedativo. É o ISRS mais associado a ganho ponderal e síndrome de descontinuação. Seu uso está associado a defeitos congênitos cardíacos no 1º trimestre de gestação e deve ser evitado em idosos.
  • Efeitos Adversos da Classe: Disfunção sexual (diminuição da libido, anorgasmia) e hiponatremia (secundária à SIADH).

2. IRSN (Inibidores de Recaptação de Serotonina e Noradrenalina – Duais)

  • Mecanismo de Ação: Inibem a recaptação de serotonina (SERT) e noradrenalina (NAT).
 Inibidores de recaptação de Serotonina e Noradrenalina ou Duais. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof.
  • Fármacos: Venlafaxina, Desvenlafaxina e Duloxetina.
  • Características Gerais:
    • A Duloxetina demonstra eficácia no alívio de quadros álgicos e nos sintomas cognitivos da depressão.
  • Efeito Adverso Chave: Devido ao aumento dos níveis de noradrenalina, esta classe pode causar aumento da pressão arterial.

3. IRND (Inibidores de Recaptação de Noradrenalina e Dopamina)

  • Mecanismo de Ação: Inibem a recaptação de noradrenalina (NAT) e dopamina (DAT).
Inibidores de Recaptação de Noradrenalina e Dopamina. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof. 
  • Fármaco: Bupropiona.
  • Características Gerais:
    • Possui ação ativadora e estimulante, sendo ideal para casos com “síndrome de deficiência de dopamina” ou “redução do afeto positivo”.
    • Utilizada na cessação do tabagismo.
    • Vantagem: Não causa disfunção sexual, pois não possui componente SERT.
    • Contraindicações: Reduz o limiar convulsivo (contraindicada em pacientes com histórico de convulsão/epilepsia). Também é contraindicada em histórico de bulimia ou anorexia.

4. Antidepressivos Atípicos e Novos

  • Mirtazapina (NaSSA):
    • Mecanismo de Ação: Complexo, inclui antagonismo ⍺2-adrenérgico (aumenta NA e 5HT), antagonismo H1 (sedação e ganho de peso), e antagonismo 5HT2A/5HT2C (aumenta DA e NA no córtex pré-frontal).
    • Efeitos: Causa sedação (útil para insônia) e ganho de peso (pelo aumento do apetite). Não cursa com disfunção sexual.
    • A associação de Mirtazapina + IRSN é denominada “California rocket fuel”.
  • Trazodona (AIRS):
    • Mecanismo de Ação: Antagonista/inibidor da recaptação de serotonina. Age por antagonismo 5HT2C e 5HT2A, inibição do SERT e antagonismo H1.
    • Efeitos: Em doses baixas, possui ação hipnótica (devido ao antagonismo H1). A ação antidepressiva ocorre em doses mais altas. Não causa disfunção sexual.
    • Efeito Adverso Possível: Priapismo.
  • Agomelatina:
    • Mecanismo de Ação: Agonista dos receptores MT1 e MT2, e antagonista 5HT2c. Libera NA e DA no córtex frontal.
    • Efeito: Ressincroniza os ritmos circadianos.
  • Vortioxetina:
    • Mecanismo de Ação: Apresenta ações farmacodinâmicas diversas.
    • Efeito: Possui ação antidepressiva e pró-cognitiva, sendo útil em depressão com sintomas cognitivos ou associada a síndromes demenciais.

5. ADT (Antidepressivos Tricíclicos)

  • Mecanismo de Ação: Aumentam os níveis de noradrenalina e 5HT.
Antidepressivos tricíclicos. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof. 
  • Fármacos: Amitriptilina, Nortriptilina, Imipramina e Clomipramina.
  • Características Gerais:
    • São tratamentos de segunda linha, utilizados para depressão resistente.
    • Amplamente utilizados para dor crônica e profilaxia da cefaleia.
    • Efeitos Adversos (Múltiplos): O principal problema desta classe é o antagonismo de múltiplos receptores:
      • Antagonismo M1 (Anticolinérgico): Visão turva, sonolência, boca seca, constipação.
      • Antagonismo H1 (Anti-histamínico): Ganho de peso, sonolência.
      • Antagonismo ⍺1 (Anti-adrenérgico): Queda de pressão, sonolência, tontura.
  • Intoxicação (Superdosagem):
    • A superdosagem é uma emergência médica grave. O bloqueio dos canais de sódio no SNC pode levar a coma e crises convulsivas. No coração, pode causar arritmias e morte.

6. IMAO (Inibidores da Monoaminoxidase)

  • Mecanismo de Ação: Inibem a enzima MAO (Monoaminoxidase).
Inibidores da MAO (Monoaminoxidase). Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof. 
  • Fármaco: Tranilcipromina (inibidor da MAO-A).
  • Características Gerais:
    • Monoterapia de segunda linha para depressão resistente. São altamente efetivos para Transtorno de Pânico (TP) e Transtorno de Ansiedade Social (TAS).
    • “Cheese Effect” (Efeito Queijo): Interação clássica. A tiramina (presente em queijos e outros alimentos) associada à inibição da MAO-A impede a degradação da tiramina, levando a uma maior liberação de noradrenalina. Isso resulta em um aumento da pressão arterial, podendo causar uma crise hipertensiva.
Representação do Cheese Effect. Fonte: Acervo de aulas do Grupo MedCof. 

Complicações e Tópicos Especiais

Depressão Resistente ao Tratamento

  • Fármacos Potencializadores: Quando há falha terapêutica, podem ser usados adjuvantes, como antipsicóticos (Aripiprazol, Brexpiprazol, Quetiapina), Lítio ou Hormônios tireoidianos.
  • Cetamina/Escetamina: A Cetamina, um antagonista do receptor NMDA, tem potencial na depressão resistente. A Escetamina (formulação intranasal) é usada como antidepressivo agudo.

Síndrome Serotoninérgica

  • Causa: Excesso de atividade serotoninérgica no SNC e periférico. Geralmente resulta da associação de IMAO com antidepressivos que inibem a recaptação de serotonina, mas também pode ocorrer entre ISRS e Trazodona.
  • Tríade Clínica: Apresenta distúrbios cognitivo-comportamentais, autonômicos e neuromusculares.
  • Diagnóstico (Hunter Criteria): Baseia-se na história de uso de fármaco serotonérgico associado a achados específicos, como:
    • Clônus espontâneo.
    • Clônus induzido + agitação ou diaforese.
    • Clônus ocular + agitação ou diaforese.
    • Tremor + hiperreflexia.
  • Achado Diferencial: A presença de mioclonia fala mais a favor de Síndrome Serotoninérgica do que de Síndrome Neuroléptica Maligna.
  • Manejo: Requer cuidados em serviço de emergência. Inclui a descontinuação do medicamento, uso de sedativos (Benzodiazepínicos) e o antídoto antisserotonérgico Ciproeptadina.

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